O PÁSSARO AZUL
Marco Brito

Final de tarde fria, terminal rodoviário da cidadezinha vazia. Apenas Andrei, na janela do carro, e ela, do lado de fora esperando a saída da camioneta:

- “Vê se escreve”.

- Claro que escrevo, meu passarinho. Prometo.

- “Não prometa, apenas escreva quando puder”.

- Juro que faço.

- “Não jure, escreva apenas...e sobreviva”.

O ronco rouco escapou da velha buzina e o motor estremeceu anunciando a partida. Olharam-se demoradamente.O brilho dos olhos despencou numa lágrima teimosa.A tinta do rímel traçou uma fina linha escura dos cílios até o canto da boca. A boca pintada de vermelho...

O ônibus se afastou lentamente. Ele pôs um cigarro entre os lábios. Por entre a fumaça, a silhueta dela ia-se misturando com o que ficava ao redor: as casas com os pastos, os pastos com as colinas, as colinas com o céu da tarde outonal. Enquanto o automóvel serpenteava pela serra, ele, olhando para baixo, ainda conseguiu distinguir o ponto azul brilhante do vestido que ela usava.

Com o fim da guerra e o país destruído, Andrei viajou muito. Fizera amizade com um sujeito alto, forte e jovial quando trabalhavam em minas de ouro. Um dia este lhe disse:

- “Largo esta vida e me enfio na África!”. 

Largaram pás e picaretas embarcando para aquele continente. Lá fizeram um pouco de tudo. Foram contrabandistas de pedras até tornarem-se guias-intérprete para abastados europeus nas savanas africanas. A parceria durou cinco verões. Terminou com um aperto de mãos quando então, seu companheiro cedeu aos encantos e à fortuna de uma velha francesa. Partiu ele num baleeiro e singrou por mares até desembarcar na Ilha da Madeira. Tornou-se administrador de fazendas até conhecer a jovem filha do patrão. Saiu de lá um dia após o nascimento do filho.

- - -

Havia retornado à cidadezinha. Apesar de ter vivenciado tanta mudança no mundo, o tempo ali quedara e resolvera esperar. Saltou do carro e sem ter quem o aguardasse dirigiu-se até o posto. Um homem, inteiramente desconhecido arrumava algo por trás do balcão:

- Boa tarde. Procuro por uma pessoa... A Senhora Alzints. Este é seu nome... Agnes Alzints. Somos amigos...

- “A Senhora Alzints é proprietária do 357, o último casarão da Alameda das Hortênsias...”.

- Sei, sei onde é. Cortou.

- Obrigado...

Caminhou pela avenida que margeava o rio. Atravessou a praça, subiu a rua da Matriz passando pelo coreto. Resolveu, antes de seguir adiante, beber algo. Entrou num bar e pediu um conhaque. Ficou ali com a bebida a esquentar nas mãos. Pela primeira vez não sabia o que dizer. Bebeu tudo de um trago e, enfiando as mãos nos bolsos do casaco, seguiu adiante. Parou no portão e ainda titubeou um pouco. Afinal decidiu-se.

A campanhia retumbou no início da noite. Passos ligeiros dirigiram-se até a porta abrindo-a. A claridade do interior bateu-lhe no rosto e um sorriso triste iluminou os olhos de quem o observava. Uma voz cândida, embora cansada pronunciou e afagou seu nome... – “Andrei...”. Sentiu o perfume no ar. O mesmo perfume daquela tarde perdida no tempo. Foi arrastado para a sala. A mulher olhava-o com lágrimas nos olhos.

- Sra Agnes, ela ainda está, cheguei a tempo? Perguntou.

A velha senhora demora a responder. Ele repara naquele rosto marcado pelo tempo...

- Não. Não chegou. Já faz três dias que ela nos deixou. Lutou muito o aguardando. Mas a dor foi maior... Antes do último alento disse-me algumas palavras. Pediu-me que as repetisse para você que entenderia, ela falou:

- “Diga-lhe que seu pássaro voou...”.

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