MAR, CÉU E OUTROS AZUIS
Marsal Sanches

Lembro-me bem de um antigo comercial de televisão, que começava com um diálogo entre dois personagens:

- Tudo bem?

- Tudo bem,não. Tudo azul!

É interessante como, em português, sempre associamos a cor azul a coisas agradáveis. Céu azul, dia bonito. Mar azul, mar limpo. Planeta azul. Olhos azuis. Anjos. A escola onde concluí o ensino médio, em Mogi das Cruzes, tinha lousas azuis. O diretor dizia que azul era menos cansativo para os olhos que os clássicos preto ou verde-escuro. Há alguns meses, pensando nisso, até mudei de branco para azul o pano de fundo de meu processador de textos.

Entretanto, em inglês as coisas são um pouco diferentes. Na falta de idéias para escrever esta crônica, perguntei a um colega americano qual o primeiro pensamento que lhe vinha à mente diante da menção da palavra “blue”. Sua resposta foi imediata:

- É um tipo de música. Blues!

Acabei recebendo uma pequena aula sobre o assunto: “blues”, um estilo musical originário do sul dos Estados Unidos, cujas letras correspondem invariavelmente a lamentos e ao relato de misfortúnios e problemas. Perguntei-lhe a origem do nome. Não soube me informar com certeza:

- Acho que a música e triste, então colocaram nela o nome de “blues”!

Foi então que aprendi que estar “blue”, em inglês coloquial, e o mesmo que estar entristecido.Um “blue day”, um dia triste. O famoso quadro de depressão pós parto, que acomete muitas mulheres, é chamado por alguns de “blues” puerperal. E assim por diante.

Fiquei pensando na questão da relação entre cores e emoções. Seria algo apenas cultural, que variaria de país para país? As pessoas ficam vermelhas de raiva ou brancas de medo no Brasil, na Inglaterra ou na Rússia. É uma resposta fisiológica. Mas o que dizer sobre as associações verde-esperança e amarelo-covardia? E sobre as cores relacionadas ao luto? Recentemente, fiquei sabendo que, entre praticantes de algumas religiões asiáticas, comparecer a uma festa vestido de branco constui grave ofensa. Motivo: o branco é a cor usada por estas pessoas em funerais. Será que, se procurássemos com cuidado, acharíamos alguma cultura em que vestir azul é proibido, dada sua conotação?

Mais ainda: sempre consideramos o azul uma cor “masculina”, em oposição ao vermelho. O ultra-som revelou que o bebê será um menino? As roupinhas serão azuis, e não cor-de-rosa. Não há ultra-som? Roupas brancas ou amarelas, cores neutras. Mesmo em plena era da igualdade entre homens e mulheres, pouquíssimos homens vestem ternos vermelhos, e provavelmente o mesmo número de mulheres usa batom azul. Por outro lado, entre muitos povos indígenas, o vermelho é a cor da guerra, dificilmente uma atividade feminina.

Cheguei a começar a pesquisar estas questões mais a fundo, mas acabei mudando de idéia. Gosto do azul, e prefiro continuar gostando. De tanto conversar sobre esta cor, acabei aprendendo algo,no mínimo,curioso: se,nos Estados Unidos, alguém o convidar para ver um “blue movie”, não pense que vai assistir a um filme rodado em alguma ilha do Pacífico, com muito céu e mar, ambos bem azuis. Tampouco será um filme triste, no sentido de dramas e lágrimas . “Blue movie” é usado para designar, em inglês, filmes com cenas de sexo explícito. 

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