TIA LUISA
Paulo Henrique Pampolin

Acordei bem cedo, na verdade, mal dormi aquela noite. Antes do papai, pela primeira vez já estava de pé. Ansioso, sentado na cadeira da área, mamãe pacientemente penteava o ainda úmido cabelo, dividido de lado, clássico penteado de mãe.

Com a roupa de "sair", tênis Montreal devidamente limpo, estava pronto para meu primeiro dia de aula aos seis anos de idade. Uma expectativa enorme. Sempre esperei por isso. Será que a professora colocava de castigo realmente como meus amigos mais velhos diziam? Será que "ditado" era realmente um exercício difícil? E matemática? E verdade que tem que decorar aquele monte de números da tabuada? Será que conseguiria? E composição? Qualquer um consegue criar historias?

Todas essas duvidas circulavam por minha cabeça, enquanto caminhava de mãos dadas com mamãe, rumo ao colégio.

No portão, uma senhora nos recebeu, ganhei um beijo da mamãe e fui entregue. Não senti medo. Estava curioso, queria que aquilo acontecesse. Meu radar ligado percebia tudo que se passava ao meu redor naquele novo e desconhecido mundo que passava a habitar.

Fui levado em silencio para a sala de aula, onde alguns colegas já estavam e outros ainda chegariam. Todos como eu, minúsculos que ficávamos com as pernas balançando na cadeira por não alcançar o chão. Vi expressões de choro e de espanto. A minha, provavelmente era de ansiedade. Como seria a professora? Cara de megera, como pintou Maurinho, que já estava na quarta serie. Ou de monstro insano, como disse meu amigo Ford. Seja como for, estava pronto para encarar o dragão.

O silencio perturbador da sala foi quebrado por uma sirene estridente que podia ser ouvida a grande distancia. Era o primeiro sinal de que tudo iria começar.

De repente, entra na sala, Tia Luisa, a professora.

Fiquei embasbacado. Não conseguia ter reação, a não ser acompanhá-la com os olhos por onde caminhava na sala. Postou-se ao lado da mesa na frente do quadro negro e com um sorriso disse bom dia. Só então puder ver... ela tinha olhos azuis!

- Meu Deus, eu nunca tinha visto olhos azuis em minha vida!

A televisão era em preto e branco, portanto aqueles eram os primeiros olhos azuis que via em minha vida.

- Como eram lindos! Como era linda!

A pele branquinha, os cabelos aloirados e aquele vestido azul que realçava ainda mais o azul dos olhos.

Todos responderam ao "bom dia", menos eu. Não conseguia dizer qualquer palavra. Em transe, estava hipnotizado.

Um a um foi perguntando os nomes, eu sempre perseguindo-a com os olhos sem conseguir piscar. Em minha vez, percebeu que estava com problemas. Perguntou meu nome. Não conseguia responder nada, olhando-a fixamente.

Abriu um sorriso sereno e perguntou se estava tudo bem. Apenas balancei a cabeça positivamente. Queria saber meu nome. Com muito custo, gaguejando e falando para dentro:

- Pa...u...lo...

Nunca tinha visto ninguém tão bela. Se aquele era o monstro que pintaram, adoraria conviver com ele.

Final da aula, fui embora. Mamãe queria saber como tinha sido meu primeiro dia e a única coisa que consegui pronunciar, foi:

- Ela tem olhos azuis.

Mais uma noite sem quase dormir e ansioso para voltar para escola.

Claro que era um bom aluno, me interessava por tudo e aprendia com facilidade, mas apesar de alguns meses, ainda não havia me acostumado que conhecia alguém com olhos azuis. Assim, sentado na primeira fila e com boas notas, conseguia ser um dos preferidos da Tia Luisa.

Num belo dia, chovia. Chegou o final da aula e Tia Luisa me chamou com seu belo sorriso:

- Você vai comigo hoje.

Fiquei estático.

- Vou andar de carro com a Tia Luisa!

Fomos para o fundo do colégio, entrei no carro, me ajudou a colocar o cinto.

Não conseguia parar de olhá-la. Ela falava o tempo todo, mas não conseguia me concentrar no que dizia, apenas observava.

Em frente de casa, estacionou, tirou meu cinto de segurança, pegou em minhas bochechas e beijou minha testa.

Meu mundo caiu! Posso imaginar minha cor. Permaneceu por alguns segundos segurando minhas bochechas e me olhando nos olhos. Hipnótica!

Não consegui ter reação nem dizer uma única palavra. Ela tinha me beijado! Tia Luisa acabara de me beijar! Seus olhos azuis nunca estiveram tão perto de mim! Como era linda! Por que fazia aquilo comigo? Por que a carona só para mim? Por que o beijo? Tia Luisa começava a construir castelos em minha cabeça.

Jamais vou esquecer dos belos olhos azuis de Tia Luisa, os primeiros que vi. 

Provavelmente meu primeiro amor.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.