O MAR AZUL
Wesley Nogueira

Pedro pitava seu cigarro de palha, ou "pé duro" como todos chamavam, os poucos dentes que ainda restavam na boca prendiam a guimba do cigarro, dos seus quase oitenta anos ele só tirara uma casinha de pau a pique, viúvo já há mais de dez anos e com o filho único tendo partido há anos para tentar a sorte em São Paulo, sem nunca ter voltado ou mandado notícias. Do mundo conhecia a cidade típica do interior e as redondezas da grande fazenda que sempre habitara, não que ela fosse sua, ele apenas era um agregado, trabalhara de sol a sol, plantando e colhendo, de "meia" com o patrão e dono da terra. Aliás, já trabalhara com três donos: o pai, o filho e agora o neto, o neto que, além de fazendeiro, era advogado, tivera a decência de conseguir para o velho Pedro uma aposentadoria pelo Funrural, e o deixara como agregado, com direito à sua casinha, onde agora plantava só para seu consumo e criava umas galinhas. 

Mas Pedro tinha um sonho desde menino: conhecer o mar, aquele tão falado mundo de água, maior que todos os açudes e lagoas que ele já tinha visto na vida. Quando lhe disseram que a água era salgada, ele não pôde acreditar, afinal, pra quê tanta água se não serve pra aguar as plantas ou beber? 

Ricardo, o dono da fazenda, neto do primeiro patrão de Pedro, soube da história, e como uma forma de gratidão ao velho que o levava por dentro do mato para ver os bichos ou pescar nos açudes quando ele era criança, resolveu que da próxima vez que fosse à capital, levaria o velho para mostrar o mar.

Pedro ficou emocionado com a oferta, embora para qualquer outra pessoa fosse algo comum, para ele era um sonho de vida, ver o tal mar, não fotografias ou imagens que ele tinha visto nas raras vezes que vira uma televisão na vida.

No dia marcado, Pedro vestiu sua melhor roupa, aliás a única roupa que ele tinha, pra ir a uma missa ou a um casamento, uma camisa e uma calça, calçou também a botina já velha, mas limpa e engraxada com sebo de carneiro, passou a gilete na barba rala e branca do rosto, tentando ficar o mais apresentável possível. A bela Picape Importada do patrão parou na sua porta e ele entrou totalmente sem jeito, pois estava acostumado aos velhos ônibus ou a carroceria dos caminhões que passavam nas estradas de terra que cortavam o lugarejo. 

A viagem foi relativamente longa, pois a capital e o mar ficavam a mais de trezentos quilômetros de distância, mas Ricardo estava acostumado a fazer essa viagem várias vezes por mês, Pedro se sentia incomodado com o conforto exagerado do carro, com os vidros fechados e aquele ar frio e seco do ar condicionado. Para ele, que não tinha nem eletricidade em casa, tanto luxo era estranho. Conversaram algumas coisas sobre a fazenda entre uma música e outra que tocava no rádio do carro, e em algumas horas ele pôde ver a tal capital.

Pedro ficou chocado com a grandeza das coisas da cidade, aqueles prédios imensos, a grande quantidade de carros nas ruas, e principalmente com a quantidade de gente: como era possível viver num formigueiro daqueles, ele pensava, tinha dias que não avistava outra viva alma nas cercanias de seu casebre, e ele via aquelas pessoas, que ele sabia que moravam naqueles prédios, uns por cima dos outros. A cidadezinha que ele visitava pra receber seus proventos da aposentadoria não era nada em relação ao que estava vendo, mas o melhor estava por vir.

Ricardo apontou para frente e ele viu, entre os prédios, uma grande mancha azul, um azul profundo, encorpado que, à medida que o carro avançava, ficava maior. Enquanto entravam em uma avenida à beira do mar e Ricardo procurava uma vaga para estacionar, ele também viu aquela areia branca, e pôde ver as ondas do mar, a espuma branca, que ele não sabia o que era.

Pararam, finalmente, e puderam descer do carro. Pedro viu homens e mulheres, a maioria seminus, andando no calçadão e na areia branca, pessoas dentro da água. Olhou para Ricardo, em busca de aprovação, e Ricardo disse: esse é o mar, Pedro, é um açude sem parede, maior que tudo o que você já viu... vai mais para perto e veja as ondas, pode ir, todo mundo pode ir ver o mar de perto.

Os pés de Pedro afundaram na areia fofa e mesmo com as botinas sentiu o calor da areia, mas isso não o deteve, ele caminhou decidido para a beira do mar, a areia ficando menos fofa e mais molhada, até seus pés tocarem as águas, as ondas que chegavam molharam suas botinas, mas mesmo assim ele ainda avançou mais um pouco até sentir os pés cobertos pela água quente que invadia suas botas. Ele olhou a volta, até onde a vista alcançava, e só via aquela imensidão azul, viu também ao longe um grande navio, e alguns pequenos barcos e jangadas, via que a água mudava de cor, entre o verde e o azul, baixou a mão e tocou a água, levou os dedos à boca para constatar o que nunca acreditara, a água era salgada, mais salgada que os poços salobros e inúteis que existiam em alguns locais da fazenda.

Ricardo se aproximou da beira do mar e o chamou, acordando o velho dos seus devaneios. Pedro voltou um pouco e foi ter com seu patrão, que queria lhe oferecer algo para beber, talvez uma cerveja, ou mesmo uma cachaça, mas Pedro disse que não queria nada naquele momento, ele só queria olhar aquele mundo d'água, e ver se descobria aonde ele ia dar. Com um sorriso, Ricardo disse: "só tem terra daqui para frente, lá na África, a outra margem do mar ficava a milhares de quilômetros, mais distante que São Paulo, que qualquer outro lugar que você pudesse imaginar..." 

Pedro acocorou-se na areia e sentindo na pele a brisa marinha, ouvindo o marulhar das ondas, pensou na realização do sonho, ele sabia que a morte já estava próxima, mas, se agora ela viesse, ele morreria feliz. Sua mulher já partira e seu filho se embrenhara no mundo há tanto tempo que ele não tinha mais esperanças de vê-lo novamente, só o mar lhe faltava conhecer, o sonho de criança estava realizado 

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