O CHEIRO DA SOLIDÃO
Ly Sabas

Hoje o sentimento de solidão me pegou de jeito. Pela primeira vez senti seu aperto característico. E o gosto. Um travo quase impossível de se engolir. E tem cheiro também. Parecido com o do medo. Acho que são gêmeos. 

Não acordei só e sabia que não dormiria só. E, no entanto, a solidão abraçou-me com força, sussurrou-me palavras sedutoras e tentou-me aliciar. 

Entre a autocomiseração e a revolta, lembrei-me de minha mãe. Antes sempre tão poderosa e agora enfraquecida por essa mesma luta, contra esse mesmo gosto e cheiro. Disse-me, um dia, que eu alardeava não ter medo porque não conhecia a solidão. Que ladrão e lobisomem são nada comparados a esse monstro. 

Ri muito, na época, chamando-a de exagerada. Agora relembro seu choro, que me acordou sobressaltada, no primeiro dia em que se sentiu só. Revejo-a parada em frente ao armário da cozinha repetindo “Ah, meu velho, quem me fará o café?”. Meu abraço mudo, carente também ele de consolo, foi incapaz de afastar o monstrengo que sorrateiramente se instalava.

Essa lembrança, de meus braços em volta de seus ombros, contraditoriamente, deu-me forças. Parei de lamuriar-me, preparei um drinque saboroso capaz de anular o amargo, acendi um incenso de mirra e abri todas as janelas. Como faço sempre que a saudade diz presente, apanhei meu tesouro fotográfico e procurei, avidamente, por imagens de minha mãe em sua fase poderosa. 

Fui nesta busca desde sua adolescência, maravilhosa em seu uniforme colegial, cercada de amigas, até uma em que estamos abraçadas sorrindo felizes, na cozinha de uma de minhas sobrinhas. O outro abraço sofrido era o reflexo distorcido deste, visto através do espelho de uma bruxa malvada. 

Mergulhei fundo em seu sorriso, na força de seu olhar. E usei a foto com um vodu capaz de exorcizar de vez o cheiro da solidão.

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