SAUDADE
Maurício Cintrão

"A saudade mata a gente, morena". Cantar em português tem dessas vantagens. É possível descrever a dor, a tristeza, a sensação de falta, a carência e a vontade de voltar com uma única palavra: saudade. Estar com saudade é estar vivo e inserido em um contexto riquíssimo de lembranças. Você pode ter saudade de um modo de vida, de um lugar, de um grupo de pessoas, de uma única pessoa e (por que não?) de você mesmo. 

A dinâmica dos acontecimentos já provocou o afastamento de mim mesmo. Não é esquizofrenia, é loucura leve. Dessas que se tem quando o trator da história não passa ao largo da gente, passa por cima. Já me peguei lembrando com saudades de hobbies, manias e predileções que não tenho mais. Mudei, mudamos, mudam, mudaram.

Só não muda a palavra: saudade. Lembro de quando era pequeno ouvia minha mãe e minha tia cantando velhas modinhas de seus tempos de meninas. Eram os saraus de fim de tarde, na Ilhabela, quando a família se reunia, nas férias. Não raras vezes, a saudade aparecia nas letras das músicas. E eu imaginava que fosse coisa de velho.

É evidente que, para ter saudade, é preciso ter vivido. Mas o estar saudoso não depende dos cabelos brancos. Meus filhos falavam, outro dia, que sentiam saudades vô Arthur, que virou estrela. O mais velho tem 12 anos, a mais nova tem oito e a do meio tem 10. Portanto, saudade não tem idade, para lembrar um velho adágio (atual, sempre atual).

Eu também sinto saudades do velho Arthur. Como lembro com carinho saudosista dos tempos em que ainda podia pedir conselhos a meu pai, que também virou estrela. Meus filhos mais novos não conheceram o velho Gê. Quer dizer, não conviveram com ele, pois o conhecem por meio do brilho dos meus olhos quando falo dele.

Mas não é só de constelações que trata a saudade. Sabe do que sinto falta com o coração apertadinho? Sinto falta da rosca holandesa que a vó Donária fazia (e a receita continua viva; só minha preguiça que não morre). O legal não era só a rosca, mas todo o cerimonial para cortá-la ainda quentinha. 

Tenho saudades da minha irmã Suely cantando (e ela está bem viva, apesar de ter desistido de ser canarinha). Sinto falta de brincar com carrinhos (que sempre os tenho à vista, só não tenho o espírito menino). Tenho saudades permanentes dos meus filhos, tanto que falo deles com freqüência em meus textos. 

Aliás, a Mônica, a filha do meio, deu uma solução super legal para as saudades que sente pelo fato de eu estar morando longe. Escolheu um de seus bonecos e deu meu nome a ele. O Maurício dela é seu companheiro nas horas de tristeza. Quase chorei quando ela me contou isso. 

Como eu sou um sujeito que adora imitar os filhos, pedi a cada um deles que me desse um boneco para meus momentos de solidão. Já tenho um patinho chamado Mônica e um coelhinho chamado Jéssica. Faltam os bonequinhos do João Paulo e do Gabriel. 

Nessas coisas do coração, as mulheres têm mais jeito do que os homens. Mas o que seria delas sem eles? É como o espelho sem a imagem. É como o brilho sem a luz. No fundo, somos todos recheados da mesma saudade. Só disfarçamos diferente.

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