SABOTAGEM, EU QUERO QUE VOCÊ SE DANE
Pedro Grillo

Toda vez é a mesma coisa: faço uma cara estranha, que não é a minha, levanto as sobrancelhas e me olho. Me faço de não eu. Ou pelo menos é isso que me dizem os amigos (e devem talvez pensar os inimigos).

Minha relação com espelhos passa por uma das maiores indagações da História do homem. Quem sou eu? E geralmente me vejo como a exata imagem que aparece no espelho - uma mania que ando tentando controlar. Porque espelhos podem ser muito cruéis conosco, principalmente se combinados a iluminação não adequada, ou mesmo humor-pele-rosto-corpo não adequados.

Penso em quando corto meu cabelo, por exemplo. Todo bimestre a mesma ladainha: depressão pós-corte. Também acho, ridículo, sem sentido, há fome no mundo e minha preocupação com meu corte de cabelo deveria ser expurgada, assim como todas as celebridades inventadas. Mas, sim, ela existe, e eu, mesmo sublimando, sei, lá no fundo, que meu cabelo curto me deixa com o pescoço fino - uma coisa meio Chihuahua. E isso pra mim é um problemão.

Mas não só pela questão estética. Tem tudo um fundo mais psicológico, inconsciente no ar, acredito eu. Porque enxergar olheiras no meu reflexo do espelho ou a cara de Chihuahua - no meu, não no dos outros, porque sei ser compreensivo com os demais - é ver a prova viva de que tenho dormido de menos, trabalhado demais, me esforçado, vivido solto no mundo, e para que? Para que isso tudo que faço? - me pergunto. Será que estou no caminho certo? É isso mesmo que escolhi para mim? 

Bom, a partir daí, se me deixar, vou longe. E penso em quando escolhi a faculdade, nos tempos do colégio, na influência dos amigos, na ausência da família, nas coisas que fiz e não fiz nos últimos dias, e acima de tudo, me deparo comigo. Meu eu. Minha cara estampada é o reflexo da minha vida, das minhas escolhas e de tudo que ficou pra trás quando as fiz. 

É de arrepiar pensar que uma decisão que tomei lá atrás hoje me faz estar aqui, neste momento, escrevendo um texto para uma página na internet que nem mesmo sei se irá publicar.

E assim a vida segue, com os espelhos ou sem eles. E das coisas que deixo para pensar depois, incluo essa maldita mania de olhar para eles para deixar que a auto-sabotagem tome conta de mim. Assim tento.. 

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.