DOBRAS OBSCURAS
Virgínia Circhia Pinto

Poderei viver cem anos, mas alguns questionamentos atravessarão minha vida sem resposta. Uma das imagens que mais me seguem, ou perseguem é de quando ainda era adolescente e um dia parei diante do espelho. Sem mais nem menos, vi na minha frente uma pessoa que até então nunca havia visto. A atração por aquela imagem refletida era tamanha que me senti paralisada. De dentro daquele instante surgiu a pergunta:

- Quem é você? 

Um silêncio profundo tomou conta de tudo. Embora já tivesse visto minha imagem refletida inúmeras vezes, aquela pergunta era como um tiro certeiro através do espelho e sua resposta se traduzia de uma hora para outra, na razão de toda minha existência. Um olhar mais profundo trouxe nova pergunta.

- De onde vem? 

Sem cerimônia a imagem agora se transformava na mais pura dúvida e fazia rodar minha cabeça. Do meu coração, surgiam sem tréguas, perguntas nunca antes imaginadas: -; De onde será que venho? Outro planeta, outra galáxia? Até então bastava saber que viera da barriga de minha mãe. Uma sensação de vazio no estômago traduzia a real amplitude da minha falta de respostas. E alheia a tudo, a voz prosseguia.

- Para onde vai?

Mas que pergunta! Não tinha a menor idéia para onde ia, pois meu caminhar sempre fora claro, tranqüilo e sereno. Apenas caminhava sem pensar que caminhava. Por que a partir daquele momento o caminhar poderia trazer consigo o sentido de tudo? 

A voz se calou naquele instante, mas não para sempre. Estes questionamentos parecem permear minha mortal existência. Procuro, inconscientemente, o sentido de tudo. Quando apenas me olho no espelho ou quando me sinto tocada pela vida humana e seu desejo incansável de compartilhar através da amizade, suas alegrias e dores. 

As respostas ainda permanecem no mais absoluto silêncio, talvez escondidas nas dobras obscuras de minha alma, pairando doce e impacientemente, entre aquela tarde adolescente e a primavera destes meus inquietantes quarenta anos. 

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