A SURUBA
Fernando Zocca

Trama não cria na assertiva que asseverava: "repetir mentiras mil vezes não as transformava nunca em verdades; as repetições, só reforçavam sua condição de mentiroso abjeto". Por isso, quando se via assim, sem ter o que fazer, naquela sala enorme que ocupava, por força da sinecura que lhe deram, maquinava planos mirabolantes, pra desancar os adversários mirrados e xexelentos.

Seu objetivo primevo e principal, como todos já sabem, era o de, por "laranjas" interpostas, colecionar imóveis. Supunha ele ser esse o meio mais seguro pra conservar as fortunas que colhia nas ignóbeis maracutaias com os poderes públicos. 

Às 11 horas, da terça-feira fria, daquele agosto em que o Brasil já superava o Canadá, nos Jogos Pan Americanos de Santo Domingos, ele preparava uma artimanha comum no seu gabinete. Diante do tenso proprietário dumas terras, onde se traçou um loteamento, prometeu-lhe o ressarcimento vultuoso, em decorrência da expropriação de parte da propriedade, pela prefeitura de Tupinambica das Linhas.

Tudo isso seria muito normal, legal e bonito, se não fosse aquela incorporação, pena aplicada por descumprimento dumas leis municipais antigas. 

Então, o dono da coisa tendo um quinhão dela absorvido pelo poder publico como castigo por descumprimento da lei, teria agora, por milagre do doutor Trama, em contrapartida, uma quantia de "jabaculê", equivalente a um prêmio pequeno da mega-sena. 

É claro que ao custo de 50% pagos ao doutor, a título de comissão. Afinal, convencer parte dos vereadores, e funcionários do alto escalão da prefeitura, tinha seus encargos. 

E foi isso o que realmente ocorreu: a prefeitura pagou por aquilo que já era dela. O doutor Trama, então, usando aquele "tutu" todo, mais outros antes defraudados, quinhentos e vinte e três mil reais, na campanha eleitoral dos seus eméritos candidatos, alçou-os aos cargos eletivos pretendidos. Com a outra parte do "arame" comprou casas e apartamentos.

Agindo sob os impulsos daquele seu sentimento de superioridade, presenteou a um dos seus mais chegados colaboradores, que só trafegava no "dublê" cinza importado, com uma chácara estonteante localizada no subúrbio norte da cidadela.

Ao fazer a doação, recomendou-lhe à surdina, um regime de emagrecimento, pois que se seu ventre continuasse com aquela freqüência de inchação, haveria perigo de explosão nalguma artéria importante; e que o ideal mesmo era a leveza dum "papillon" faceiro. Mesmo porque, com aquela barriga de barrica, seria praticamente impossível qualquer conexão carnal. E, uma das condições exclusivas para estar na turma do doutor, era a de ser um tremendo trepador folgado. 

É desnecessário afirmar que a prova de fogo para admissão na quadrilha, digo, na turma era a de arrebatar cinco adolescentes diversas, durante uma semana, nas portas das escolas, e leva-las ao rancho de pescarias onde se provaria, durante as surubas, a macheza habilitante. 

Os golpes de Trama sucederam-se. Por preços exorbitantes adquiria propriedades particulares em nome da prefeitura. Ganhava comissões dos vendedores, seus clientes, e usurpava todos os demais "cominhos" que pudesse. 

As supervalorizações emergiam dos laudos firmados por "peritos" antes bem cientes das benesses que teriam do alcaide porreta.

Proh pudor!

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