ASAS
Mairy Sarmanho

Quando fechei os olhos senti algo tocar meu ombro. Pensei que era minha irmã, sempre me seguindo, caçoando de meus pensamentos, lendo minha alma, como uma sombra estranha que me persegue. Morta. Minha irmã está morta mas continua me perseguindo. Isso desde que nasci. Ela não sobreviveu ao parto. Eu saí ilesa, caótica, assustada. Perdi minha alma gêmea, meu infinito, meu espelho e tive que viver com essa dor, essa mágoa, essa saudade.

Meus pais evitaram falar no assunto até o dia em que consegui perguntar-lhes:

- Onde está minha irmã?

Eles se entreolharam, assustados:

- Que irmã? Você não tem irmã alguma, minha filha...

- A que era igualzinha a mim. - Insisti.

Com dor estampada nos rostos, eles me contaram a história da menina morta, que não tinha visto a luz da vida fora do útero. Perguntei onde estava enterrada e os acompanhei até o cemitério. Minha irmã não morta estava lá, mas estava sempre grudada em mim. Faca.

Quando abri os olhos descobri uma borboleta dourada. No uniforme de meu colega ao lado. Tirei-a com as mãos e a coloquei na rua, pela janela entreaberta. Todos admiraram minha força e a condição de manipular o inseto. Eles não sabiam que era minha irmã. Eu sabia.

No dia de meu casamento, ela foi minha aia. Minha irmã nasceu de mim no primeiro parto. Mas morreu duas horas depois. Em seguida, gerei-a, novamente. Ela sobreviveu dois dias. Hoje, ao ver minha terceira filha e ao sabê-la perfeita, percebi que havíamos conseguido driblar a morte e nos unirmos em vida.

Minha filha dorme no berço e eu não vejo mais minha irmã sombra. Agora ela está ali, ao meu lado, humana, real, surpreendente. Ato de um Deus onipotente que desafia minha crença e me coloca em cheque. Amo minha filha. A borboleta não me assombra mais. A vida me desperta!...

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