PESADA CRUZ
Renata Cabral

Olhou-se no espelho. Estava imensa, uma verdadeira baleia. Gorda como uma porca. Imaginativa como ela só, viu-se no meio de um chiqueiro levando uma cantada de um porco. Balançou a cabeça. Porca e burra era uma combinação demasiadamente cruel até mesmo pra ela. O que faria? Melhor fazer uma minuciosa análise da situação. De frente. De lado. De costas. Plantando bananeira, de cabeça pra baixo. Sob este ângulo, então, as coisas estavam catastróficas. Bunda caída, ainda por cima. Com muitas celulites. Voltando a posição normal, apertou-se. Talvez fosse inchaço ou coisa assim. Não era. Estava com a quantidade certa de água - o excesso era só de banha mesmo. Debulhar-se em lágrimas não eliminaria todo aquele excedente. Se bem que seria ótimo se isso fosse possível. Como boa publicitária que era já imaginou o slogan da situação: uma choradinha que vale por um quilinho. Podia ver centenas de mulheres em todos os cantos do mundo chorando, incentivadas por sua campanha. Em seguida, a catástrofe mundial ocasionada por aquela superpopulação de lágrimas e por fim... Por fim nada. O problema da obesidade mundial já estava sendo muito bem assistido por milhares de profissionais, nos quatros cantos do planeta. Mas naquele exato momento, o seu problema não estava sendo assistido por ninguém. Precisava agir, e rápido. Antes que ele chegasse de viagem e achasse que havia entrado no apartamento errado. Ou então, vendo-a naquela forma generosa, ele poderia simplesmente querer o nome da ração que a havia alimentado nos dias de confinamento. O que fazer, o que fazer? Redução de estômago ou qualquer procedimento cirúrgico estavam simplesmente descartados, por motivos óbvios. Não teria condições de juntar todo o dinheiro para tal evento em menos de uma semana. E se forçasse uma bulimia ou uma anorexia? Se bem que nunca ouvira falar de alguém que em poucos dias tivesse se auto-induzido a tal coisa. O que faria? O que faria? Olhou pela janela. Uma queda do 9º andar poderia ser fatal. Para quem estivesse passando embaixo. Uma doença talvez? Ouvira dizer que os tuberculosos emagrecem rapidamente. Mas morrem rapidamente também. Última saída desesperada: conselho de mãe. Grandessíssima idiota. Quem mandou ligar? Agora tinha que agüentar! Agüentar alguém dizendo que ela estava neurótica e que precisava ser internada (se bem que uma internação, sem a adição de soro glicosado, poderia auxiliar sim no emagrecimento, já que comida de hospital é uma nhaca!). Ouvir sua santa mãezinha mandar ela procurar uma ocupação. E ainda por cima a ouvir dizer que uma pessoa de 1,80 com o peso dela deveria engordar e não emagrecer. Sua mãe desligou dizendo que se ela quisesse perder peso, a única saída seria jogar fora o cérebro. Pode ver-se linda, gorda e acéfala. Que visão do inferno! Por que será que era tão difícil pras pessoas entenderem que ela precisava urgentemente livrar-se dos quilos indesejados? Só ela sabia o que era carregar sua cruz. Afinal quem hoje em dia pesava 50 quilos? Quem? 

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.