TEIMOSIA DAS PÁLPEBRAS
Virgínia Circhia Pinto

Nas últimas semanas tive a desconfortável sensação de que estou envelhecendo. Logo de cara, esta idéia pode parecer estúpida, já que envelhecemos todos os dias e não apenas em algumas semanas. Isto não faz diferença, o que importa é que olhei, me vi diferente e não gostei. 

Para completar esta constatação, hoje pela manhã, ao aplicar minha rotineira maquiagem simples e básica, tive uma ingrata surpresa. Começo sempre pelo delineador preto contornando os olhos na pálpebra superior. Aplico o rímel, repetidas vezes, nos cílios já longos por natureza, para conseguir o efeito máximo. Com o lápis específico realço as sobrancelhas excessivamente removidas por aquela inesquecível "depiladora assassina". Terminada a parte dos olhos, passo à boca. Traço o delicado contorno dos lábios com o "lápis-contorno-de boca" na cor predileta. Aqui cabe um detalhe. Este lápis sempre é apontado e apontado, até não ser mais possível, num exercício não de economia, mas de fidelidade ao mais perfeito tom que encontrei para meu rosto e lábios. Finalmente, coroando toda esta arquitetura, pincelo os lábios com o lápis-batom na cor-de-boca, que penso eu, me cai bem.

Estes detalhes não surgiram de repente. Eles se transformaram, muito lentamente, neste pequeno ritual matinal. O delineador perfeito descobri numa viagem ao Paraná, numa dessas lojinhas simples que tanto gosto de entrar para procurar as preciosidades existentes apenas em cidades do interior. Uma vez em férias no Sul de Minas, comprei uma canequinha esmaltada de branco, daquelas que se tomam café em fazenda. Ao entrar numa loja a vi de longe. Deve ter batido fundo em minha memória afetiva, pois fui logo dizendo que queria duas, pois jamais pensaria em usá-la sem uma companhia, deixando de desfrutar do prazer de um café a dois.

Voltemos ao meu rosto. O rímel foi mais fácil. Uma vendedora me ensinou a curvar o pincel para conseguir uma perfeita aplicação. Nunca mais deixei de fazer isto. Ao comprar um novo, vou logo curvando a ponta e ele fica, como sempre, insuperável. O batom sempre foi um problema. Todos borravam, até descobrir o lápis batom. Insuperável. Uma aplicação matinal e a derradeira descoberta. Ele dura, impecável, até o almoço. O que mais pode desejar uma mulher?

Poderia desejar muitas coisas, mas hoje, após todo o ritual matinal, desejei ser mais jovem.

Minha filha entra no quarto, olha para mim e começa a rir. Ri também e perguntei:

- Ri de mim ou pra mim?

- De você mãe! Olhe seu olho. Está todo borrado.

Olhei no espelho e comecei a rir de mim. A pálpebra superior estava toda manchada de preto. 

Perdida entre riso e desgosto, perguntei a ela:

- Sabe por que isto acontece?

- Não tenho a mínima idéia, mãe.

Desolada, expliquei:

- É fruto do peso da idade. Com o tempo, as pálpebras vão caindo e a maquiagem começa a borrar neste ponto. 

Ela não deve ter ouvido o final da frase, pois estava atrasada e saiu correndo para a escola. Fiquei ali com meus botões.

Meu primeiro sinal de envelhecimento vi nas pálpebras, ou melhor, na teimosia delas. Sempre abominei as cirurgias plásticas. Não por questão estética, mas de covardia. Só de pensar na idéia de ser remodelada pela ponta de um bisturi me gela a espinha. Quando uma amiga me mostra a barriga remodelada, os seios reconstruídos, o corpo esculpido por uma lipoescultura ou o rosto re-figurado pelas mãos de um expert, veja nesta mulher não apenas a beleza, mas a coragem e nela mensuro o tamanho de minha covardia.

Como dizia Cazuza:

- O tempo não pára...

E eu fico aqui paralisada, entre a vaidade, a realidade e a suprema covardia.

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