PRIMEIROS PASSOS
Alexandre Fernandes Heredia

Gluck era seu nome.

Pelo menos era o mais próximo de um nome que ele considerava ter. O som era atribuído a ele, pois todos de sua comunidade o temiam, e engoliam em seco quando o viam. Ele aparecia, e *gluck*, engoliam em seco.

Eles o temiam por sua postura. Não que ele fosse algum tipo de líder tirânico e poderoso, mas ele andava sobre as duas pernas anteriores, sem o auxílio das mãos para se equilibrar, como todo o resto. Gluck até tentava ser amável, mas todos o temiam por esta sua postura, e não raras vezes ele dormia sozinho e com frio na caverna.

Gluck não sabia por quê andava daquele jeito. Simplesmente era a maneira mais confortável de se locomover. Com o tempo, desistiu de caminhar como o resto do bando, e passou a andar ereto o tempo todo, ignorando completamente a aceitação do grupo. Além do mais eles sempre o respeitaram, e nunca disputavam com ele um lugar quando ia beber água da poça ou pegar frutas nas árvores.

Descobriu que podia aumentar o efeito assustador batendo as mãos fechadas no peito e urrando. E podia intimidar qualquer um apenas abrindo os braços arqueados. Não era uma vida muito sociável, mas era eficaz naqueles tempos, e com efeito, Gluck foi deixado em paz.

As fêmeas do bando, percebendo que Gluck se sobressaía do resto, começaram a se aproximar, e ele percebeu que podia atraí-las simplesmente erguendo o braço e pegando uma manga mais tenra num galho alto da árvore, que o resto do bando não conseguia alcançar. Em pouco tempo, essa nova habilidade de Gluck tornou-o cobiçado pelas fêmeas, e era raro o dia que não copulava.

Mas certo dia, Gluck flagrou um pequeno grupo de machos tentando andar sobre as duas pernas. Não o perceberam, e Gluck observou tudo, escondido atrás de um arbusto. Percebeu o grupo evoluindo aos poucos, primeiro dando passos vacilantes, depois tentando equilibrar-se parados, que era mais difícil. A tudo observou impassível, até que um macho jovem finalmente conseguiu estabilizar-se ereto. Os urros de comemoração chegaram aos ouvidos de Gluck como uma provocação primal, e, pela primeira vez na vida, sentiu o sangue ferver sem estar apavorado por um predador ou pela chuva noturna. 

Instintivamente, agarrou um galho no chão, e correu urrando em direção ao jovem macho. O grupo, vendo sua carga, debandou, menos o jovem macho, que, congelado de medo, permaneceu desafiadoramente ereto. Gluck segurou o galho com ambas as mãos e golpeou impiedosamente sua cabeça. Sua vítima caiu imediatamente no chão, o rosto uma massa disforme de carne e sangue.

Gluck urrou alto, para que todos soubessem que ele ainda era o único que conseguia ficar de pé no bando, e no que dependesse dele, seria sempre. 

E segurou o galho ensangüentado firme em suas mãos, como símbolo de sua superioridade.

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