PEQUENA TRISTEZA
Ana Terra

Primeiro o choque. A grande dor. Coloco a enorme pedra de gelo sob o sol. Sento no chão e vejo sua desintegração lenta. A poça de água aumenta aos poucos. É minha alma sendo amparada pelo cimento rugoso. Não consigo sair dali. Dos meus olhos brotam água quente. O processo termina quando as águas se fundem. Sinto algo morno dentro de mim.

Nem quente, nem frio, nem nada. Uma enorme placa vermelha PARE foi colocada no meu caminho. Obedeço à sinalização, sem me preocupar com o tempo. Carros em alta velocidade passam diante de meus olhos. E eu ali, parada. Calada.

Retorno a casa. Como um andróide, guardo todos os meus sonhos e projetos num cômodo desocupado. Fecho a porta.

O vírus da pequena tristeza tem seu ciclo próprio. Uma gripe, só que não há remédio. Não sei por quanto tempo ficará em mim.

A realidade muda. Os ponteiros dos relógios diminuem o ritmo. Meus passos estão lentos. Sem destino. Estou longe da vida. Fiz a mudança para meu deserto interior.

Antes de acordar, sinto sua presença sentada na minha cama. Recuso-me a abrir os olhos. Quem sabe você vai embora? Mera ilusão. Você não tem pressa. Assiste meus disfarces. Cubro a cabeça. Finjo que estou dormindo profundamente. Nada adianta.

O que posso fazer? Abrir os olhos e encará-la? Inicio mais um dia sob o jugo da pequena tristeza. Mais um dia, que se pudesse, não viveria.

A rotina robótica é iniciada. Vez por outra, sinto sua presença. Sei que você nunca esteve aqui de verdade. Parou rapidamente. Talvez pela necessidade de um café. Como num bar à beira da estrada.

Não sinto os dias passarem. Minha alma continua tépida. Sem sal.

Abro a porta onde guardei meus sonhos. Estão todos empoeirados. As aranhas, com suas teias caprichadas fizeram a fusão. Uma só peça é criada. Não sei mais quais são minhas prioridades.

Falta-me coragem para fazer a limpeza. Organizar tudo novamente. Fazer da peça inerte algo em movimento.

Não quero destruir as teias que as aranhas fizeram, como também não quero objetos de museu.

Não quero nada. Vou respeitar o ciclo da virose. Assim... com calma. Como se aguarda uma metamorfose.

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