METAMORFOSE
Jayson Viana Aguiar

Sabe aquela casa de avó, com um quintal gigantesco, cheio de fruteiras? Pois é em uma casa destas que Davi mora, e o quintal de sua casa era o seu reino, seu território. Duas mangueiras, uma goiabeira, um limoeiro, duas laranjeiras, dez bananeiras, um jenipapeiro e cinco cajueiros. Caju, uma delícia, fruta predileta do pequeno Davi, rei do pedaço.

Porém, dos cinco cajueiros do quintal, apenas um deles tinha caju doce e, naquele ano, ele resolveu fazer greve na produção. De toda a florada, só pendeu um maturi. Dá para acreditar?

Somente um; uma bala na agulha; uma chance de ir para o céu.

Davi, dia a dia, acompanhou o desenvolvimento do maturi, metamorfose da amargura em doçura. E ele ia bem, virava um belo fruto, ia avermelhando, crescendo. Certo que havia uma certa preocupação do guri com aquele tesouro de seu reino. Aguava o cajueiro, adubava-o. Com uma baladeira, afugentava qualquer pássaro que quisesse bicar o caju quase maduro. Quando estava na escola, ficava rezando para que não desse nenhuma ventania que derrubasse o fruto quase maduro.

E chegou o dia. Estava na escola; todavia, não se concentrava nas aulas, somente esperava a hora de ir para casa, correr para o cajueiro grevista e apanhar o mais bonito e doce caju que vingou naquele ano. Único, por sinal. Quando apareceu em casa, foi direto ao quintal e, para sua surpresa, encontrou um invasor: seu pai. Invasor porque, ele nunca ia ali.

Mal Davi pisou o terreiro do quintal, seu pai foi logo comentando da beleza do caju que amadurecera no melhor cajueiro do pedaço.

- E olhe que eu não quero que tu o tires do pé. — A ordem veio curta. Tudo porque, no dia seguinte, o avô de Davi iria visitá-los. E, por coincidência, caju era a fruta predileta do patriarca.

Davi não acreditou no que escutara. Como não podia tirar o caju do pé? Ordem mais sem propósito, sem cabimento, vinda do nada, sem companhia de uma explicação plausível. Entretanto, mando do pai é pra ser obedecido, fazer o quê?

*  *  *

No outro dia, quando pai e avô foram ao quintal buscar a tão cobiçada fruta, encontraram-na ainda no pé, mas cheia de mordidas.

- Davi! — O pai bradou, chamando o filho. Quando o menino chegou, ele foi perguntando rispidamente, sentindo-se desobedecido em uma ordem:

- O que eu te disse ontem sobre aquele caju — apontou para o fruto quase totalmente comido.

- O senhor mandou que eu não o tirasse do pé!

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