MUDANÇA
Marcelo S. Lopes

Aquele fora o último ano de estudos na capital. Bernardo estava ansioso por retornar. Não gostava da metrópole e aprendera a suportar a vida na cidade grande com muito custo. Mas agora estava voltando, e desta vez não precisaria despedir-se da madrinha nos fins de janeiro. Mais ainda: agora era Dr. Bernardo, advogado. Teria o respeito de todos e logo estaria estabelecido num escritório na Av. XV ou na Rua do Cabo. Tinha economias modestas, pois o emprego na universidade não pagava para muito, mas o caráter ponderado e caprichoso permitiu juntar o suficiente para começar a vida.

Desceu do ônibus com dificuldade, atrapalhado pelas malas que carregava. Trazia uma delas abarrotada de livros, cadernos, fotocópias, processos, papéis avulsos e tudo mais que coube trazer e julgou ter alguma utilidade futura. Na outra mala grande vieram as roupas do dia-a-dia, alguns pares de sapatos, dois ternos usados e um outro sem uso, guardado especialmente para a inauguração do escritório e para as audiências, que certamente viriam. 

Duas semanas depois da chegada assinava o contrato de aluguel da sala 302 do Edifício Marrecas, Rua do Cabo. Mandou trocar o piso, comprou a mobília adequada, organizou a biblioteca e o arquivo, esmerou-se em cada detalhe. Encomendou cartões de visita em papel linho e uma plaqueta dourada com letras pretas que pregou na porta da sala: “Dr. Bernardo Amoedo – Advogado”. Faltava colocar o anúncio no jornal.

Fez uma pequena reunião para brindar à vida nova. Champanhe. Compareceram: a madrinha, o amigo Filipe acompanhado da noiva, e Juliana, a secretária recém-contratada. Riram muito naquela noite, de lembranças e de planos. Juliana quase foi promovida, tantos foram os brindes que ergueram.

No primeiro dia de trabalho acordou bem cedo. Passou na barbearia, comprou o jornal para confirmar a publicação do anúncio, tomou um banho demorado e vestiu o terno novo. Esperou o dia todo por um cliente. Os outros dias não foram diferentes, a não ser pelas horas que pareciam cada vez mais lentas e quentes. No final do mês dispensou a secretária. Duas ligações foi todo o trabalho que ela teve. Uma consulta trabalhista que não chegou à inicial e um engano:

- Escritório do Dr.Bernardo Amoedo, bom dia.

- É da casa do Sr. Paulo?

- Não, senhor.

- Desculpe, foi engano.

Aos poucos foi desacreditando. Em seis meses era despejado do escritório por falta de pagamento. A madrinha tentava amimá-lo: “Podes arrumar um bom emprego” – dizia. Passava as camisas de Bernardo e recortava os anúncios de empregos dos classificados. O afilhado tentou uma vaga por quase um ano até que a madrinha caiu doente e morreu.

Amanhã faz um ano que ela se foi. Desde então Bernardo é visto cambaleante, vestido com um terno mulambento, os cabelos emendados na barba comprida, sempre com uma garrafa na mão, num dos bares da Rua XV.

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