IPÊ AMARELO
Ana Terra

Os dias voam. No trem, onde vejo a paisagem pela janela. Às vezes tenho vontade de pedir ao maquinista para diminuir a velocidade. As imagens não são nítidas. Miopia causada pelo movimento. Mesmo assim, consigo ver o ipê amarelo florido. Solitário na imensidão das montanhas.

Não sei em qual estação irei parar. Capto imagens indefinidas. Sem saber o motivo, não desembarco na próxima. Prefiro observar pessoas que entram e saem. Em cada rosto, uma angústia, uma ansiedade, uma alegria disfarçada, uma saudade ou uma esperança.

E fico ali ouvindo: café com pão, café com pão. Como criança.

Somente o ipê amarelo para quebrar a monotonia da viagem. Um aqui, outro lá. Disputando o dourado com os raios de sol. Cobrindo o chão com suas flores já mortas.

A imaginação se solta. Tenho sintomas de paixão. Aquele rosto que consigo identificar entre milhões. Que passa por minha vida através do vidro empoeirado do vagão de um trem. Beleza e miopia ao mesmo tempo.

Fases. Como as flores do ipê. Em pouco tempo, seus galhos estarão nus e secos. Semelhante à morte. Já não se destacará mais no vale de montanhas verdes. Ficará invisível.

Quem me dera ser possível desvendar o mistério do ipê! Como ele se manterá vivo até a próxima floração? Vejo a seiva em seu interior. Trabalhando freneticamente. Sugando o alimento de uma raiz também seca. Distribuindo a força vital em cada veia. Em cada ramificação. Em cada ponto quase morto. Preparando sementes.

Aos poucos embriões brotam nos galhos sem vida. Todo cuidado é pouco. Nem muito sol. Nem muito frio. Nem muita chuva.

O tempo, ao contrário do trem, não pára. Mesmo assim recuso-me a descer. Continuarei a viagem até a Estação Primavera, aniversário do ipê, com suas novas as flores amarelas.

Confio na seiva. No momento em que verei novamente a árvore solitária e florida. Impondo sua presença na imensidão do vale.

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