LINO
Argento

 
Parecia um dia como outro qualquer na vida de Andrelino. Levantou bem cedo acordado por aquele despertador idoso, fora de seu pai e ele guardava-o como relíquia da família. Uma boa chuveirada e ele já estaria pronto para o batente. Claro, tinha que comer alguma coisa e preparar a marmita para degustar no almoço. Hoje era sardinha enlatada acompanhada do arroz que sobrara de terça-feira, afinal era Domingo e a preguiça já tomava conta do seu ser. 

Vida monótona era aquela, da casa para o trabalho, da lida para residência, haja paciência. A única exceção era a primeira segunda-feira de cada mês, dia de folga do pobre coitado. Nessa lacuna de tempo ele curtia suas pescarias, comprava aquela isca bem baratinha, sardinha velha e passada, depois seguia para o cais, perto da praça quinze, onde antigamente funcionava o mercado de peixes. 

Os escamosos raramente obtidos eram consumidos durante a semana seguinte à labuta. Aquele primeiro quarto do mês era como se fosse uma vida de rei para Andrelino. Pois, como ganhava pouco, extravagância mesmo só doze vezes por ano. Ah, esqueci-me também daquela "marvada" que descia suave como canto de sereia em sua garganta seca. 

Uma vez encontrei-o triste durante o expediente e ele me disse que precisava conversar com o patrão a respeito de uma redução da jornada de trabalho. E eu que pensei que tratava-se do que mais deveria lhe afligir, ou seja, um pedido de aumento de salário. Típica situação de quem sabia realmente das coisas, afinal, contrariando a teoria capitalista americana, "tempo não é dinheiro", "tempo na verdade é vida", e liberdade então é muito, muito mais importante que qualquer dólar furado. Mas o patrão se mostrou irredutível. 

- Chefe, isso não vai custar-lhe nada!!! Ponderava o "Lino". 

- Não quero incentivar a vagabundagem aqui na firma!!! 

Cabisbaixo, nosso herói voltava para sua posição de trabalho e sem coragem para retrucar era um vazio, sem sonhos, sem objetivos, sem vida. 

- Lino, vê se não chega tarde amanhã, é dia do aniversário do clube e já pensou uma instituição como a nossa em época de centenário é fogo! Todos vão cobrar atenção redobrada durante o festejo. Afinal, esperamos que seja a mais elegante e bela comemoração. 

- Sim senhor... - respondeu-lhe bem baixinho. 

No dia seguinte a vingança. Oito horas e nada do "Lino". Os convidados na verdade eram esperados somente para as nove e trinta, mas aquele exemplo de funcionário que nunca deixara furo, não estar ali naquele momento importante era o fim da picada. 

- O que acontecera com ele? - Indagava em pensamentos perdidos o presidente do clube.

A festa rolou e nada do dito cujo chegar. Era um evento centenário e sem porteiro... Um jovem principiante substituiu-o, muito embora tenha cometido todas as gafes possíveis naquele momento festivo. 

No dia seguinte, "Lino" chega ao trabalho e leva uma super bronca do cacique: 

- Andrelino meu filho, nós o tratamos aqui com todo o carinho, né? E você falta justamente no dia do centenário do clube, você poderia me explicar??? Ou você tá a fim de ser despedido? 

- Não chefia, é que eu tive um problemão e não pude vir ontem! 

- Qual é a sua desculpa "Lino", tava doente? Gripe, dores na coluna, dor de barriga ou algo semelhante? 

- Não chefia? 

- Fala então homem!!! 

- Sabe como é, né? 

- Sabe como é o quê meu camarada? 

- Era dia de aniversário, chefe! 

- Dia de aniversário? Sim, era dia do centenário do clube e você falta? Acho que vou ter que despedi-lo!!! 

- Chefia??? Se eu fosse você num faria isso não!!! 

- Porquê, tá me ameaçando "Lino"???

- Não, é isso não chefia!!! Mas "despi-lo" é perigoso, né? 

- Como assim, ô "Lino"? 

- Afinal, o "cabra-grandi" já gerou muitas sementinhas... Inclusive a filhinha "Dina" que fez aniversário ontem e que foi o real motivo da minha ausência... 

- Mas "Lino", eu vou ter que mandar-lhe embora!!! Mas me conta, o que foi que sua filha lhe disse e que lhe fez arriscar esse emprego tão importante para a sobrevivência de toda a sua família? 

- Ela disse as palavras mágicas, chefe!!! 

- Como assim "Lino"? 

- "Pai, eu te amo!!! Brinca comigo hoje, vai??? Só hoje... Eu te amo!!!" 
 

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