O MELHOR PRESENTE
Lauro Lima

O primeiro passo foi, assim que recebi o salário do mês, transferir para a poupança a terceira e última parcela do dinheiro necessário ao presente. Não era muito. Afinal, todos os meses, o salário terminava dias antes da chegada do seguinte. Sentia-me, na véspera do dia do pagamento, como um automóvel quase sem combustível. Na manhã seguinte, encheria o tanque até o limite. Vinte dias depois, estava, outra vez, na "reserva". Não havia final de mês em que não me recriminasse por haver feito essa ou aquela despesa desnecessária. Ah! Se não tivesse cedido ao impulso de comprar o sapato novo? Quem sabe, se tivesse preferido ficar em casa naquele sábado? Não teria gasto tanto dinheiro, em troca de uma expectativa de prazer que desandou, tão logo o casal amigo começou a discutir. Nem precisaria mais que isso. As duas despesas irrefletidas, juntas, teriam me dado o fôlego necessário para alcançar o final do mês, sem sobressaltos.

Melhor esquecer as alternativas do "se". Continuando naquele caminho, eu não conseguiria nada de concreto, além da fantasia do como poderia ter sido. Mais conseqüente tinha sido a atitude, tomada três meses antes, de impor-me alguns pequenos sacrifícios. Havia vencido o desafio. O papelucho, devidamente autenticado, fornecido pelo caixa do banco, era o meu troféu. Dispunha, enfim, de uma boa quantia para, nos próximos dias, dedicar-me à tarefa de escolher um presente de aniversário digno, para dá-lo à minha amada. 

Tomei o caminho de casa, confiante. A questão seguinte, em princípio, era muito mais simples. Escolher o presente. Bastar-me-ia gastar algumas horas num centro comercial. As inúmeras opções disponíveis, eram garantia de facilidade de escolha.

Melhor não. Pensei. Não tenho muita habilidade para lidar com vendedores profissionais. Se assim o fizesse, o mais provável seria acabar comprando alguma coisa que me levaria ao arrependimento, minutos depois. A solução mais prudente era, antes de sair para comprar, já haver fixado, na cabeça, o que queria. Definiria o presente que mais a agradaria. Além desse, uma ou duas alternativas, para a hipótese de não conseguir encontrar meu objetivo primeiro. De outra parte, ainda dispunha de uma semana, até o dia do aniversário.

Entretanto, os dias foram passando e eu não conseguia me definir. Jóias? O tanto de dinheiro que tinha não era suficiente para garantir-me comprar uma peça exuberante, como ela merecia. Conseguiria, no máximo, um anel. Um daqueles sem grande brilho, que ficaria esquecido e escondido, entre as bijuterias da caixa de jóias. Quem sabe um vestido? Um daqueles que as mulheres ficam admirando, embevecidas, nas vitrines? Também não era uma boa idéia. Não saberia escolher tamanho e cores. De outra parte, temia que minha avaliação pessoal não coincidisse com as fluidas variações da moda feminina. Ficaria absolutamente arrasado se ela, alegando um desajuste qualquer, voltasse à loja, no dia seguinte, para trocá-lo. O mesmo ocorreria se escolhesse uma bolsa, ou um par de sapatos. Poderia consultar alguma amiga. Mas, assim, não seria um presente que carregasse minha marca pessoal. Uma escolha da amiga, e não minha. 

E se fosse algo de sentido mais utilitário? Uma máquina fotográfica? Um aparelho celular cheio de "triques e truques"? Não. Eram objetos sem personalidade. Nunca seriam capazes de carregar todo o afeto que eu queria transmitir, com o gesto de dar-lhe um presente.

A semana passou. Foram vãs, as três horas despendidas no centro comercial, no sábado. Dormi mal, na noite de domingo. Dispunha, apenas, de vinte e quatro horas. Na verdade, bem menos, pois a encontraria no início da noite seguinte.

Na segunda, logo cedo, avisei no trabalho que não iria. Precisava dedicar cada minuto, do tempo que me restava, para encontrar a solução.

O fim da tarde do dia fatídico, encontrou-me diante do centro comercial, outra vez. Nos olhos, a mais completa expressão de minha capitulação. Na mente, o consolo da frase aprendida desde os tempos de criança: "o que vale é a intenção".

Era isso. Meu coração iluminou-se instantaneamente. Duas horas depois, encontrei-a. Nas mãos, um buquê de flores e uma caixa bonita. Vi-a admirar as flores e colocá-las num vaso, antes de abrir o presente principal. Vi seus olhos brilharem, quando o embrulho, aberto, mostrou seu conteúdo: seis tangerinas amarelo-ouro e um pote plástico com dezenas de negras jabuticabas.

- Você lembrou!!!!!!!! - Foi o que ela conseguiu dizer, com a voz embargada.

Lembrei sim. Lembrei que, quando nos conhecemos, num fim-de-semana na casa de campo de um amigo comum, eu chupava tangerinas e ela deliciava-se com jabuticabas. O primeiro beijo, entre nós, teve o inusitado gosto da mistura dessas duas frutas. Lembrei sim. Que o objeto mais caro, que o dinheiro pudesse comprar, nunca conseguiria, como aquelas frutas, agregar tanta lembrança e tanto afeto. As tangerinas e as jabuticabas, fizeram-nos voltar a sentir o ardor do primeiro dia. E prometermos muitos anos, ainda, de intensa paixão.

O dinheiro economizado? Pagou um requintado jantar comemorativo. 

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