ERA UMA VEZ...
Adriana Vieira Bastos

Numa cidadezinha muito distante daqui, localizada no meio do vale, vivia a mulher da casa pêssego. Pequena, olhar intrigante, misteriosa, fala rápida e de poucos amigos, estranhos tanto quanto ela. E o que mais incomodava: acordava para a vida ao anoitecer.

O dia amanhecia, a luz se apagava e o lugarejo acordava, sedento e ávido por mais uma história, ventilada de não sei onde, sobre o que se passava dentro das quatro paredes da casa pêssego.

Eis que, num belo dia, contrariando o ritmo local, resolve a mulher sair de seu mundo e andar pela cidade, com um computador no banco de passageiro de seu carro, extrapolando todos os padrões de aceitação local.

Se não bastasse, ao ser interpelada pelo guarda incumbido de acompanhar seus passos e garantir a segurança da cidade, respondeu-lhe, com um ar provocativo que, desta vez, não poderia ser multada, afinal, o computador estava com cinto de segurança.

A população, aflita e alvoroçada com tal fato, resolveu se reunir em volta da praça, para decidir sobre o que fazer com a mulher da casa pêssego.

O Delegado, baixinho, careca e barrigudo, optou por prendê-la antes que passasse a figurar como modelo ideológico perigoso aos jovens da cidade. No entanto, pensaram um pouco e reconheceram que deste perigo a cidade estava livre. Há muito tempo os jovens já tinham perdido os computadores para seus pais, ávidos de encontros amorosos secretos e furtivos. 

O Secretário da Saúde, um médico um pouco mais estranho do que ela, cabelos longos, olhar vago e metido a poeta fora de hora, sugeriu interná-la, com medo de que saísse rasgando dinheiro em praça pública. Mas, técnicos da área econômica federal convenceram da impossibilidade deste evento. Era aposentada, não teria dinheiro para tanto. 

O representante eclesiástico, entusiasta da nova era inquisidora, rogou aos fiéis que a expulsassem do lugarejo, por cometer o maior sacrilégio contra a moral e bom costumes: vivia suas histórias sem dar satisfação de sua vida a ninguém e, pasmem, não se preocupava com o que pensavam dela. Só podia estar sob influência do anticristo...

Cá entre nós, conhecendo a mulher da casa pêssego, posso lhes assegurar que suas histórias certamente dariam um bom livro. Mas, para o desespero de seus leitores, um livro sem notas de rodapé.

Mas, voltando à história, quando se imaginavam chegando a um veredicto final sobre o destino que desejavam dar à esta mulher, foram surpreendidos pelo leva-e-traz do povoado, com a notícia estarrecedora de que ela havia acabado de se despedir da casa pêssego e partido sem nenhum alarde.

Atordoados com esta notícia, tiveram que passar a conviver apenas com o conteúdo de seus próprios rodapés: vidas vazias, arrastadas para o nada.

Dias, meses, anos se passaram, a casa mudara de cor, e até hoje os habitantes daquele lugarejo, com olhares tristes e perdidos no horizonte, se pegam perguntando: “- onde será que fôra parar a mulher que tanto os ajudava a enfrentar a mediocridade que eram as suas próprias vidas?”. 

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