O QUE VEM LÁ EMBAIXO...
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Nunca escrevi uma nota de rodapé em minha breve vida escritora. Fico meio frustrada em pensar nisso, porque sempre leio textos sublimes que trazem, junto, como que obrigatórias, as notas de rodapé, bem ali, no rodapé da página. Parece que essas notas imprimem uma certa intelectualidade aos textos, como se dissessem “o autor sabe do que fala e tem tanto a explicar que precisa das notas de rodapé para completar seus pensamentos complexos”. Fico com inveja, porque realmente nunca senti necessidade de utilizar uma coisinha dessas nos meus textos, nem para me explicar, muito menos para fazer menção a algum fato que não se encaixasse ali, no próprio corpo do texto. 

Para que diabos servem as notas de rodapé afinal? Meu escritor favorito, aquele colombiano que ganhou o Nobel com seu realismo fantástico, nunca escreveu uma nota de rodapé na vida. Não que eu saiba. E posso dizer com quase absoluta propriedade, porque já li uma porção de livros dele. Em compensação, comprei outro dia um livro da Virginia Wolf. São os seus diários. Comprei no sebo, mas confesso que o fiz mais pelo nome da autora, afinal, senti-me na obrigação de ler uma mulher que dizem ser tão fantástica. Confesso, terrivelmente envergonhada, que não passei das dez primeiras páginas. É que a quantidade de notas de rodapé era insuperável. Não dei conta de ler o livro e as notas de rodapé ao mesmo tempo. Eram tantas, habitavam todas as páginas e chegavam a ocupar mais espaço que a própria história. Meus olhos ensaiavam a leitura de uma nova página, mas logo escapuliam para baixo e ficavam curiosos para saber o que se passava por lá. Fechei o livro e guardei para uma nova ocasião. 

Acho que odeio as notas de rodapé. Na verdade acho que não servem para nada. Porque a nova ocasião chegou e abri mais uma vez a Virginia Wolf. Fiz isso porque discuti com meu ex-namorado sobre a escassa existência – segundo ele – de grandes escritoras na literatura. Concordo com a afirmação, porque a proporção entre homens é mulheres é descabida. Mas se levarmos em conta que em boa parte da história da humanidade, as mulheres não precisavam ler nem escrever e eram criadas à margem dos conhecimentos intelectuais, até que nós não estamos tão mal. Mais um pouco e ultrapassamos fácil essa marca inútil. Diga-se de passagem, isso é típico dos homens: competição. Mas não estou falando da eterna guerra dos sexos. Só quis dizer que fiquei revoltada com o dito cujo e decidi-me a ler Virginia Wolf, mesmo sabendo que as notas de rodapé estariam lá, ocupando um lugar importante nas páginas. Minha descoberta: as notas de rodapé não fazem muita diferença, ocupam mais espaço do que tudo. Pelo menos no caso de Virgina Wolf. Porque muitas daquelas notas fazem referências muito específicas, incompreensíveis a quem não participou da vida íntima da escritora. Foi um alívio. Li o livro inteiro em menos de uma semana. Pulei, em protesto, todas as notas de rodapé.

Virginia Wolf que me desculpe, mas estou lendo o Gabo mais uma vez. É a história de sua vida. Quase como um diário, quase como o de Virginia Wolf. Mas não tem uma nota de rodapé, com aquelas letrinhas metidas, pequenas, difíceis de ler e geralmente carregadas de menção a nomes estrangeiros completamente desconhecidos. Pode ser ignorância minha, e até do Gabo, mas eu e ele – graças a Deus – não recorremos às descartáveis notas de rodapé. 


*Nota de rodapé: não posso perder a oportunidade de dizer que não chamariam notas de rodapé se não fossem tão insignificantes. Se importassem mesmo, chamariam notas de pé direito, quem sabe? Ostentariam, lá no alto, a informação imprescindível. E se essa observação fosse muito relevante para a compreensão do texto, teria escrito um pouco mais acima, antes de colocar um ponto final. 

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