ESCRITOR
Iosif Landau

Alberto abriu a porta e Irene entrou sem dizer uma única palavra. Ela olhou ao redor e depois de ligeira pausa caminhou até o quarto. Ele a acompanhou curioso. A jovem mulher deitou-se na cama, levantou a saia, aguardou. Alberto se ajoelhou, encostou o lado da cabeça sobre o ventre dela. Sua mão direita acariciou uma das coxas. O calor...

Escutei a campainha... saco!... cliquei no save, levantei da poltrona, a campainha de novo... já vai!... atravessei a sala... quem é?

– Sou eu, Nelson. Abre!

Destranquei.

– Droga, essa não é hora de visita!

Nelson jogou-se na poltrona mais próxima sem dizer palavra.

Fui até a cozinha, trouxe duas xícaras com café requentado.

– Toma aí, seu chato.

Bebemos em silêncio, observei o rosto pálido à minha frente. Pertencia a um sujeito vinte anos mais moço que eu, magro, estatura mediana, vestido com elegância, a mão ossudas com dedos longos segurava a xícara com delicadeza, as pernas cruzadas sugeriam um Nijinsky aposentado.

– Espectro da rosa - falei.

– O que?

– Nada, esquece. 

Ele me olhou, sorriu.

– Está fazendo comparações, é a sua maneira de me dizer que sou gay, usa cultura como porrete, é um...

– ...canalha... sorry.

Catei no cinzeiro o charuto apagado, o acendi com dificuldade, a chama do isqueiro chamuscou minha sobrancelha direita... merda!

– Se eu fumasse usaria um Dupont e não esse troço descartável, mas você é machão, devia usar no mínimo um...

– Zippo!... porra, mas é pra isso que veio, pra me encher o saco?

A guimba apagara, acendi de novo.

– Você é um velho porcalhão, aposto que aproveita papel higiênico usado.

Respondi que usava jornal velho, Nelson parou de sorrir.

– Por que não apaga essa porcaria? vai empestear o ambiente...não se esqueça do câncer tamb...

– ...e você do AIDS! merda! por que vocês tem mania de dar conselhos, de bancar a freulein? 

– Nunca entenderá, a verdadeira amizade se manifesta através do amor.

Joguei a guimba de volta no cinzeiro, me levantei passei a mão sobre a cabeça dele.

– Paz mas sem amor, tá? afinal, pra que veio?

– Embatuquei, não sei como continuar, um beco sem saída.

– E eu com isso? veio buscar inspiração comigo? não sou do seu time.

Ele balançou a cabeça, sinal de reprovação? paciência com um garoto mal educado?

– Tua crueldade não me atinge, finge.

– Não gosta de mulher, não há inspiração transar com homem.

– Ainda chega lá, tá velho e impotente.

– Tu não manja nada... homem experiente nunca deixa de dar prazer à mulher.

– Tem alguma coitada que topa contigo?

– É um entra e sai... ficamos de porre e aí vem a bandalheira... me inspiram.

– Velho libidinoso... só escreve porcarias sexuais.

– Gostam.

– Pelo menos tenta caprichar.

Eu estava ficando irritado, gostava dele mas detestava conselhos, frescurinhas, mesmo nas mulheres... frescou, dançou.

– Afinal, o que é que tá te mordendo?

Levantou-se, deslizou até a janela e depois rodopiou... o safado é elegante mesmo, tudo na justa medida, invejo sua leveza...

– Jimmy me largou.

Grunhi algo ininteligível.

– Me faz falta... o nosso breakfast... enquanto bebíamos o café era quando a nossa conversa era mais interessante... falávamos a respeito de tudo, de tudo que passava pelas nossas cabeças... sobre a morte, ele era fixado nela, acreditava na sobrevida... eu não via sentido nisso, mas ele dizia que seria ótima a morte repentina, se preocupava com sua reação se soubesse que a morte estaria próxima, anunciada...

– Caceta, parece trecho de Single man, Isherwood, os do oba-oba acham que ele é um grande sujeito só porque admitiu em público a sua bichice, pra mim não passa de um exibido... matou os personagens no final, crime e castigo, sentimento de culpa, vocês pensam tudo igual, são muito complicados.

– Agora - continuou Nelson como se não tivesse ouvido - nem me lembro mais do que Jimmy falava.

– Esse papo não é vero, acadêmico, não deixa lembrança. Vocês são duma espécie que atrai tragédia, a morte sempre os ronda... crime passional, violência dos cowboys, e agora ainda por cima de tudo essa peste do século vinte... usa camisinha pelo menos?

Nelson voltou à poltrona.

– Acho que ele está morto... sumiu, mas deixou suas coisas... já se passaram dois meses - Nelson passou a mão pelo rosto – os mortos visitam os vivos?

– Já imaginou o ridículo de estar sentado à mesa comendo ovo estalado e ter alguém espiando pela janela vendo você se lambuzando com a gema?

Senti seu desagrado, não tinha senso de humor... eles levam tudo muito a sério, estão sempre em guarda, dá para entender, párias! Nelson, Nelson sou teu amigo como se fosse o de uma dona, sem obrigação de carícias... droga, droga, estou indo pelo caminho errado...

– É sobre isso que tá escrevendo - falei – aposto.

– Empaquei... seria safadeza expor o Jimmy.

Concordei com um aceno da cabeça.

– Que tal algo sobre sedução, sobre como funciona isso com vocês? tô curioso. 

O rosto se contorcia num espasmo:

– É um escroto, não respeita sentimentos puros.

– E tu é uma porra de uma bicha histérica, hipócrita e mentirosa.

Busquei mais café. 

Voltei.

Ele sorria.

– Não dá para esconder nada de você... encontrei alguém, já o conhecia, ex aluno, ele estava num bar em Copacabana... aproximei-me dele, me pareceu que ficou contente ao me rever... bebemos um pouco demais, ultrapassamos o razoável... sabe o significado de estar bêbado para mim? um diálogo, um...

– ...lá vai você com frescuras. Ficar de porre é reação química que termina em vômito.

– Deixa de crueza... é sim, um diálogo entre pessoas, permite falar qualquer coisa sobre qualquer assunto, mudá-lo quantas vezes quiser, no fundo o assunto não importa, o estar junto sim, descontraído, perto de alguém...

Queria interromper, dizer que ficar de porre com uma mulher era o caminho da cama, tomar porre com homem era gastar dinheiro à toa. Nelson pareceu adivinhar o meu pensamento, me conhecia de sobra.

– Não se pode dialogar com mulher nessa situação, elas não conseguem fugir do plano pessoal, num verdadeiro diálogo você discute qualquer assunto, confidenciar, confessar o segredo mais escondido.

– E depois?

– Estabeleceu-se um clima, pareceu-me que ele entendia... sorríamos, como se adivinhássemos nossos desejos mais fundos...

– ...aposto que o levou pro ninho.

Demorou responder, olhar perdido.

– A namorada apareceu, de repente... eu fui pra casa dormir, sonhei com Jimmy.

– Viu a diferença? se fosse mulher eu estaria comendo ela no dia seguinte, numa boa... simples.

– Eu chamo isso de putaria... com a gente é mais complexo... a sedução tem que estar presente, envolvente, espessa, não permitir a fuga - Nelson levantou-se de novo, recomeçou o vai-vem... parecia angustiado, torcia as mãos, passos miúdos, parecia rezar.

– Se você entendesse eu sofreria menos - murmurou – alguns deles são tão bonitos, delicados, talentosos, nada agressivos, sensíveis, aceitam a vida como ela se apresenta... encontrei um faz um ano, jurou ter visto Deus, disse que conversara com Ele... o revi o outro dia... tão feliz !

Me flagrei enternecido, fluído, detestei... acabo caindo na armadilha... reagi.

– Esse cara não passa de um merda de uma bicha drogada.

– Pode ser - Nelson sorria – aposto que se visse Ele calaria acabaria com sua... brutalidade, você é apenas sangue, bílis e esperma, é mais cru que um filé mal passado.

Aceitei a provocação.

– Vá até a galeria Alaska e arrume um garoto programa.

– Nem sei porque sou teu amigo, é um grosso.

– Te digo por que... sente necessidade da presença do macho... minha geração, my kind, é a última representante do verdadeiro homem... os de hoje? produtos caricaturais, mutantes, filhos de mulheres viris e de homens femininos...

Nelson sorria.

– Está plagiando a Elisabeth Badinter, nada original.

– A porra da feminista? podes crer, caminhamos pruma raça de andróginas.

Ele não se perturbou.

– Ela diz que o homem é na realidade mulher contrariada.

– Palavras sem significado, intelectualismo barato mas vocês adoram, né? dá pra ouvir suas nádegas baterem palmas... entre Rambo e o homem mole fico com o primeiro. 

– E você pretende ser intelectual! não passa de um primata...

– ...e você uma bicha rejeitada, louca pra me dar o rabo!

Me aproximei dele, toquei seu ombro, ele levantou a cabeça e sorriu... eles tem um sorriso magistral, doce... senti vontade de beijar seu rosto... droga, tô entrando na dele... me afastei.

– Meu caro, ouça o que vou dizer - falou ele – as coisas estão péssimas lá fora, muito ruins, uma bagunça total, não vejo razão pra gente se emaranhar em conceitos, afinal o que significa essa vida? devemos perder tempo em rotular? não seria mais justo aceitar a troca de sentimentos por mais confusos que sejam antes de ser tarde demais?

...armadilha de novo...

– Tá bem, tá bem, não diga mais nada, esse blablabla todo não muda o fato de eu ser um porco libidinoso, noventa entre cem velhos são, mas também não impede de te achar um bicha carente... se pretende insistir na sua tese, na sua tentativa de me... bem, vou até o limite da amizade irrestrita... só... nada mais.

Nelson levantou-se, saiu sem se despedir, fiz menção de correr atrás dele, desisti, acendi de novo a guimba do charuto, voltei ao computador.

...das carnes úmidas e a flacidez sensual excitaram Alberto. Ele afastou com delicadeza a calcinha. Com movimentos felinos deitou-se em cima dela. Penetrou no sexo molhado. Ouviu gemidos e...

Reli o que havia escrito, droga, pensei no Nelson, ele era um escritor, eu apenas fazedor de folhetim pornográfico, meu leitor precisaria saber da verdade? talvez, teria eu coragem de me revelar? coloquei * no fim da última página.

* caro leitor, essas palavras exprimem o pensamento de um velho sujo, toda e qualquer semelhança com a realidade dever ser considerada como não coincidência. 

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