SENTIMENTO SOLITÁRIO
Ivone Carvalho

Você ainda não se conscientizou do quanto é importante para mim. 

Sempre foi assim. No início, talvez algum encantamento mágico tenha permitido, ou, quem sabe, forçado, a nossa aproximação. Usando de todo seu encanto e segurança, ciente do quanto é sensível, inteligente e sensual, atraiu-me quase que instantaneamente, passando a fazer parte da minha vida de tal forma que, hoje, é como se fosse a maior parte de mim. Talvez, até a melhor delas.

Agora, recordando-me aquele tempo, lembro-me bem que você era mais presente do que eu. Embora até me preocupasse quando sentia sua tristeza por não me encontrar algumas vezes, eu sorria feliz enquanto justificava minha ausência, pois, afinal de contas, é delicioso saber-se querida e perceber que o sentimento que é bem melhor quando é via de mão dupla, está realmente crescendo com correspondência.

Mas o tempo foi me mostrando que apenas em mim o amor crescia. Para você, opostamente, o interesse foi reduzindo e seus olhos já não enxergavam em mim a beleza que viam antes. Nem seu coração conseguia ler a minha alma como no início. Ao contrário, senti que você passou a buscar em outras pessoas aquilo que, com toda certeza, eu já não tinha para encantá-lo. 

É possível que eu tenha exagerado em mostrar-lhe, incessantemente e até com satisfação, pensando estar lhe fazendo feliz, o quanto eu o amava. Esse deve ter sido o meu maior erro. 
Quando a gente ama, a vontade de gritar para o mundo que nos sentimos, enfim, completos, é imensa e, se não temos possibilidade de cantar para todo o universo a magia que ocorre em nossa vida, passamos a demonstrar sem medo e até com orgulho, para a própria pessoa amada, repetindo, sem cansar, o quanto a amamos. 

Tenho a impressão de que algumas pessoas têm um certo medo de serem muito amadas. Não sei se o sentimento certo é o medo, mas sei que se sentem asfixiadas, com a sensação de terem perdido a liberdade, de necessitarem buscar outros horizontes para se darem a certeza de que são livres e não podem, nem devem, aceitar um grande amor. E, para garantir-se, se afastam, se calam, buscam justificativas, fazem tempestades em copo d'água, tudo para pôr fim ao relacionamento que, em tese, tira sua liberdade. 

Não sei bem se foi isso que aconteceu com você, mas, se não foi, não tenho como acreditar que você realmente me amou como afirmava. Sim, porque eu não consigo enxergar o fim no amor. Acredito que um relacionamento pode terminar por inúmeros motivos e, esses, não faltam quando se trata de viver com alguém. O ser humano é, por si só, complexo, busca respostas para situações inexplicáveis, procura justificativas para satisfação do seu ego, encanta-se por outras pessoas, dá ouvidos ao que ouve e que nem sempre traduz a verdade, coloca pedras em caminhos onde elas não existem. 

Porém, o amor, não pode terminar. Ou, então, não era amor! Quem sabe não fosse apenas paixão? Ah, isso sim é fácil acontecer. Paixões nascem e morrem com uma facilidade ímpar. Podem surgir num primeiro olhar, numa primeira palavra, num primeiro verso, num primeiro beijo. E podem terminar ante um primeiro olhar, palavra, verso, beijo, de outra pessoa, pondo fim instantâneo à paixão que se sentia, fazendo nascer, não raras vezes, novas paixões. 

E o amor? Ah, esse não tem fim! O amor, quando chega, parece contar à nossa alma que sempre existiu. Que encontramos, enfim, a pessoa buscada por toda vida, e que permanecerá em nós eternamente. E podem surgir todos os olhares, palavras, versos, beijos, que mal serão notados, ou, se forem notados ou até vividos, não nos permitirão esquecer o verdadeiro amor. 

Por isso, quando você me disse: "eu não te amo mais", eu não sabia se ria ou chorava. Senti uma dor sem tamanho, inexplicável, profunda, dilacerando meu coração. Claro que não contive o pranto que volta e meia toma posse de mim. E ouvi tantas vezes você dizendo que o amor morre do mesmo jeito que nasce, que o amor vem para ir embora um dia, que o amor pode acabar a qualquer momento. 

E o que faço? Sorrio e tento, mais uma vez, explicar-lhe que amor não nasce para morrer? Que o amor verdadeiro não tem começo e fim? Que, se acabou, é porque não era amor de verdade, mas, talvez, apenas paixão ou um mero encantamento temporário? Ou apenas acato a sua decisão e, definitivamente, não nos falamos mais como se jamais tivéssemos nos conhecido?

É assim que passamos a vida dizendo que tivemos muitos amores. E tivemos sim e teremos sempre. São os tais amores que passam por nós, para nos alimentar por tempo determinado. Podem ser sempre intensos, pois repletos de paixão. Podem durar muito tempo, por fazerem bem aos nossos corações. Podem durar algum tempo por mera questão de conveniência. 
Podem ser como o seu por mim, que nada durou. Mas, de forma alguma, podem ser considerados o grande amor das nossas vidas: aquela outra metade que buscamos desde que nascemos, pois vem de outras vidas, e que nos acompanhará após a morte, para toda a eternidade.

E esse amor verdadeiro ao qual eu me refiro, é um sentimento que não pede nada em troca. Não pede retribuição, não pede piedade, não pede correspondência. O amor pede tão somente o respeito por ser ele o mais puro dos sentimentos; pede compreensão, porque ele é entrega sem limites e não houve escolha por parte de quem ama ou de quem é amado. O amor verdadeiro pede poesia! A poesia da alma, que vem sublime, com graça, com pureza, como se cantada pelos próprios anjos.

Muitas vezes, quem é amado assim, verdadeiramente, não se dá conta disso. Não tem noção do tamanho do sentimento que existe dentro de quem ama. E, por isso, não consegue entender suas atitudes, sua entrega, sua humildade ao repetir incessantemente o quanto ama, ou, em alguns momentos, simplesmente calar-se para não correr o risco de ser interpretado como doente passional, insano, despeitado, ou seja lá qual atributo se quer lhe impor. 

Por tudo isso, mesmo você não me amando, jamais duvide do meu amor, jamais tripudie em cima desse sentimento tão puro e nobre que existe dentro de mim, jamais o desdenhe, jamais me enxergue como uma pessoa pequena por amar tanto, pois, pelo contrário, amar de verdade é uma dádiva, um presente divino, uma luz que não acende a toda e qualquer hora, nem ilumina necessariamente a quem ama e ao seu amado.

Embora provocando, incentivando e se aliando a inúmeros outros sentimentos e sensações maravilhosas, o amor é um sentimento solitário, que algumas vezes é correspondido, porém, com toda certeza, jamais na mesma proporção, na mesma intensidade, da mesma forma, no mesmo tempo. 

É como qualquer coisa isolada, única, que, por mais que tenha o mundo a rodeando, nada a altera, nada muda sua forma ou sua essência. A rocha não deixa de ser rocha se triturada e transformada em pequenos grãos solitários.

Talvez a exceção exista quando almas gêmeas se encontram.

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