BRANCA VOZ
Lula Moura

Da solidão das coisas, entendia. E, entediado, fugia e fugia... Não da solidão, pois essa lhe trazia o paradoxo do orgasmo insólito. Um ganho havia ali... 

Porto inseguro buscado. Norte de uma ilusão que se foi... E que se foi boa ou não, no momento ainda não sabia... E ainda que soubesse, pouco sofria naquele frio europeu. O poeta, que lhe acompanhava, mentira de novo.

Ele só lidava com a solidão marcada. Gozo macabro de um ego ressabiado. Marca da sorte de um fato farto e falsamente indolor. O corvo, que lhe acompanhava, sorria e tirava um pouco do efeito sombrio. O corpo seu, que apanhara, doía menos que ontem. Um certo ardor plutoniano lhe ocupava o peito. A fênix, que surgia, aguardava as cinzas para poder voltar e lhe pedia que não olhasse para trás, sob pena de virar pedra. 

O cinza do tempo lá fora lhe trouxera o sono. O sonho azul, era perfeito para conter seu sofrimento. Da Inglaterra vinha o vento em seu pensamento. Diferente do corrente irreal da matéria, dessa vez a solidão não estava só. Pó, naquela imensidão do pseudo nada sideral, a solidão sumia lá embaixo, nos braços da insensatez tamanha... Não, o poeta não mentira. Poetas não mentem...

Aqui, os astros sorriam para ele, que já não entendia direito sobre de que jeito havia ido parar ali, no meio do espaço... Talvez por que pedisse espaço pra sua individualidade, dualidade existencial que o dividia entre o "se relacionar" e o "se prender"... Matrix talvez estivesse certo...

Fixou o seu olhar, abismado com a possibilidade do abismo e com a redundância fonética desnecessária... Dilema era o tema em que a sua vida havia se deparado. Parado, ali, diante daquela ausência de limites geográficos, se questionava...

Como se sentir só no meio de tanta imensidão cósmica?... Como se sentir preso, se a unicidade se faz presente?.. Como comer carne e não prender pedaços entre os dentes?...

Estranha saudade rondava o nosso personagem. Dor gostosa da inexistência. Solidária solidão, ordem inversa das coisas inexplicáveis...

O telefone tocou, ele acordou e atendeu. Uma voz branca, do outro lado, iluminou sua alma: - Pai ?!

O universo gostava dele, pensou. O encontro marcado chegou. E ele entendeu que a solidão, na verdade, não existe... Nem a morte.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.