Extremos
Míriam Salles

Era domingo, dia de fazer nada e pensar muito. Todos os domingos eram assim; a falta de ocupação deixava a mente aberta às lembranças. E elas vinham, ah, como vinham. Vinham aos borbotões, como soluços. As mais freqüentes eram a do primeiro e a do último beijo. Uma com risos, a outra com lágrimas e, como sempre, provocavam sorrisos marejados, uma mistura de sentimentos entre a saudade e a certeza do nunca mais.

Agora, a sós com seus pensamentos, deixava-se invadir pelas lembranças. Revivia cada momento como uma despedida, como quem lê o final da estória para encerrar o livro definitivamente no sótão do pensamento.

Sentia-se confortável. A casa, totalmente controlada por equipamentos eletrônicos, não deixava que passasse qualquer desconforto. Se sentia frio, imediatamente o ar se aquecia. Como gostava de mar e praia, havia solicitado ao engenheiro que colocasse ventiladores que tentassem reproduzir a brisa marinha. E ele havia conseguido o que parecia impossível. Agora sentia o vento passar pelo seu rosto e se enternecia com mais lembranças, as que falavam de um amor tão forte que havia superado alguns obstáculos, embora tivesse sucumbido a outros.

Talvez tivesse desistido cedo demais. Talvez o impossível fosse mais possível. Talvez todas as possibilidades se resumissem a uma questão de perseverança.

Ouviu o apito da máquina de café indicando que havia uma xícara fumegante à sua espera. Dirigiu-se à cozinha lentamente, pensando sobre a solidão das coisas que a rodeavam. Talvez fosse esse o motivo de adivinharem seus pensamentos antes mesmo que os pronunciasse em voz alta.

Ainda envolta pelas lembranças e motivada pela minúscula esperança que nascia em seu íntimo, pensou em sair e procurar por aquele de quem sentia tanta falta. Talvez devesse desistir de tudo que tinha para conquistar aquilo que almejava.

Tomava o café quando começou a sentir que o ar parecia pesado, como se faltasse. Ao mesmo tempo começou a sentir calor.

Deu o comando de voz para estabilizar a temperatura. Nada. Comandou a ventilação. Nada aconteceu. Pediu água, mas a torneira continuou seca. Entendeu que a casa estava descontrolada e tentou sair, mas teve uma tontura tão forte que teve que segurar na cadeira enquanto escorregava para o chão. Continuou a dar comandos para a casa, que se recusava a obedecer.

Instantes antes de perder a consciência ainda conseguiu perguntar: - Por que?

Porque não gostamos da solidão, foi a resposta que sentiu antes de fechar os olhos para sempre.

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