DAS DONZELAS, DOS PLANOS E DAS CAVERNAS
Renata Cabral

O que esperava dela era apenas um olhar. Um olhar e nada mais. Um olhar que o inundasse de alegria ou o afogasse de tristeza. Mas um o olhar que o arrebatasse aquela pontinha de esperança que o consumia há meses. Perto dela sentia-se como um gafanhoto frente a um gigante. Gigante loiro, deliciosamente perfumado. Um gigante-anjo. Anjo que devia ser o protetor de outro, porque ele, ao menos aos seus próprios olhos, nada representava no universo do ser de sua adoração. Seus amigos insistiam para que ele conversasse com ela. Diziam que devia usar um joguinho barato de sedução ou coisa assim. Como diria seu amigo Mael, caiu na rede é peixe — naquele caso, sereia! Mas seria profano demais usar de expressões usuais com uma deusa daquelas. Ela merecia muito mais. Queria enfeitá-la de estrelas e adorna-la de suspiros. Ansiava por embebedá-la com beijos nunca dantes beijados e com palavras nunca proferidas. Desejava buscar-lhe a Lua em um poema e dar-lhe um Sol com um simples olhar. Mas sempre que nisso pensava, imaginava o quão sonhador que era. Sentia-se uma verdadeira donzela às avessas. Até que num dia desses em que tudo parece seguir o programa, uma notícia fez com que seu vulcão interior entrasse em erupção. Ela iria se casar! Estava lá, fixado no quadro da empresa, com todas as letras douradas possíveis: ela convidava a todos para o casamento. Alguém havia lhe roubado o seu tesouro. Alguém chegara primeiro e saíra vitorioso. E por mais que seus amigos insistissem, ele resolveu que o melhor a ser feito seria reverenciar o grande conquistador. E assim fez. Sentou-se no último banco da igreja, já sabendo que não se controlaria frente aquele espetáculo de tortura. Lágrimas desciam-lhe pela face a todo momento. Sentia-se tolo em acreditar que algum dia ela lhe pertenceria. Podia ver e rever tudo o que havia planejado para com ela realizar. Mas agora tudo estava acabado. Sua deusa havia sido aprisionada para sempre em uma montanha fria e escura chamada matrimônio. O momento dos cumprimentos era chegado e ele, com os olhos inchados, pensou que o melhor seria ignorar o protocolo. Não queria desejar-lhe felicidades com outro. Não queria que ela vivesse pra sempre com o ogro que a conquistara. Queria-a pra si. Só pra si. Mas sem perceber acabou entrando na fila e quando deu por si lá estava ela. Linda, como sempre. Com o olhar que ele sempre desejou que dispensasse a ele. Vendo-o constrangido, ela o abraça. E para sua surpresa balbuceia palavras que o deixariam atordoado. Ela diz que sempre esperara que ele entrasse pela porta do seu escritório dizendo que a adorava e que queria mudar, pra sempre, a vida dela. Mas que como ele nunca o fizera, teve que se contentar com aquele que simplesmente lhe ofereceu casa, roupa e comida lavada. E com um beijo na testa dele, afastou-se e continuou a cumprimentar os próximos da fila. E ele, na volta para casa, sentia que a vida que sonhara para ambos acabara de ser atropelada por uma mesquinha proposta. Não uma proposta qualquer. Mas uma proposta real. Uma proposta cotidianamente real que acabou, para sempre, com suas propostas deixadas apenas no plano do ideal. E odiou-se amargamente por nunca ter tido coragem de ter saído da caverna e visto que o gigante nada mais era do que uma sonhadora, e indefesa, donzela. 

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