ESQUECIMENTOS
Daniela Schmitz

Tenho duas historinhas rápidas pra contar pra vocês. As duas têm lá a sua graça e giram em torno de esquecimento. Garanto que cada um aqui teria mais dois ou três casos no mínimo pra trazer à roda e dividir. Seria a confirmação de que o efeito do aconteceu-algo-parecido comigo ou com a vizinha, a tia, o primo sempre vem à tona quando alguém relata algum fato curioso. Às vezes chego a acreditar que existe uma "lógica secreta", um pacto silencioso nesses casos: você me conta algo engraçado, eu te devolvo outro com mais graça e aí a gente ri junto. É como confidenciar um segredo a alguém e ter uma confissão devolvida em sinal de confiança. Bom, mas deixemos as teorias de lado, vamos aos fatos.

O pai de uma amiga teve seu carro roubado. Entrou na farmácia, comprou o que precisava e, quando saiu, o veículo não estava mais lá. Caminhou pelos arredores, deu uma procurada já sabendo que não encontraria nada, mas mesmo assim foi atrás. Nessas horas a gente sente que precisa fazer alguma coisa, nem que seja praguejar contra o mundo, porque a pior sensação mesmo é ficar parado. Procurou por tudo e não encontrou nada; acionou polícia, deu queixa, anunciou na rádio, fez tudo o que podia e lhe era de direito. Quatro dias depois, zeradas as esperanças de recuperar o bendito, recebeu a ligação de um conhecido que dizia estar na frente do dito cujo roubado. Sem sinais de arrombamento, com todos os pertences intocados, o carro estava na rua ao lado da farmácia, há quatro dias esperando que seu dono colocasse as idéias no lugar e viesse lhe buscar exatamente no lugar onde o deixara. Coisas do esquecimento.

A outra história aconteceu com a mãe de uma amiga e também envolve automóveis. Foi contada logo que a primeira menina parou de se queixar da falta de atenção do pai. A mulher estava saindo do supermercado e procurando seu carro novo, recém saído da concessionária. Procurou, procurou, deu a volta inteira pelo estacionamento até que, de longe, avistou o veículo. Chegou perto, tentou abrir a porta e de forma nenhuma conseguiu. Tentou de todas a maneiras, até que se deu por vencida e decidiu chamar o chaveiro que trabalhava num quiosque do súper. O homem chegou, fuçou no carro e um sonoro alarme pôs-se a gritar. O chaveiro parou tudo, esperando que a mulher desse jeito naquele barulho, mas a pobre estava mais preocupada em descobrir quem tinha colocado alarme no seu carro novo sem o seu consentimento. Final da história, o verdadeiro dono do automóvel chegou e a chave da mulher coube direitinho na fechadura do Seu carro que estava logo ali adiante, parado não muito longe do seu irmão gêmeo.

Mais uma história contada e nós três continuamos rindo do quão alto a cabeça de cada indivíduo pode pairar nas nuvens. As duas haviam colaborado com histórias engraçadas sobre esquecimento e eu estava ali, tentando lembrar de alguma pra acrescentar. Foi quando meu namorado ligou e eu o tratei com a mesma frieza que já nos acompanhava há uma semana, ao menos de minha parte. Desliguei o telefone e as gurias perguntaram o porquê daquele excesso de hum-huns durante a ligação. Foi aí que eu parei, pensei e respondi: sabe que eu não lembro. Era a vez das duas rirem da minha contribuição involuntária para a sessão esquecimentos. 

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