TEMPO DE JABUTICABAS
Heringer

 
 
Não sei exatamente a razão, mas passei o dia de hoje a pensar em jabuticabas. Ainda não estamos em época delas, quando então é comum encontrarmos, em nossas esquinas, com os vendedores e seus carrinhos-de-mão abarrotados das frutinhas maravilhosas. É curioso como eles medem com presteza e eficiência suas porções, em litros, utilizando-se das inconfundíveis e surradas latas de óleo de soja, e triste é verificar, depois, que quando as lavamos, justo as miúdas estão em maioria; enganados que somos pela ilusão de conjunto - nos carrinhos elas parecem tão opulentas e generosas!

Um amigo meu tem um pé de jabuticaba no seu quintal, aqui mesmo, em Campinas, e sempre me telefona quando a árvore está carregada de frutas: "Venha rápido" - diz ele - "que está caindo tudo!" E vou; louco que sou por estas pérolas escuras e suculentas - eu e uma corja de marimbondos! "Tenha cuidado com eles" - já vem logo me avisando - "Que estão pra lá de bêbados!".

Da primeira vez pensei que zombasse comigo, mas então indicou o chão, onde vários deles rodopiavam ensandecidos, totalmente embriagados, após sugarem, ávidos, o suco já fermentado de várias frutas - vinho puro e de ótima qualidade! Cuido de não bulir com eles; temo-lhes os ferrões dolorosos e a pontaria alterada e duvidosa.

São boas e agradáveis essas lembranças que as jabuticabas evocam em mim, e colhê-las, ainda nos pés, sempre foi uma coisa muito prazerosa; e talvez por isso, me pego agora pensando em Lígia - a graciosa, linda e estonteante, Lígia! Era magra, mas não o suficiente para descompor-lhe a harmonia do corpo esbelto e perfeito; e como eu, muitos outros suspiravam por ela. Uma vez, falou-se bastante na nossa cidadezinha de uma carta que saíra publicada numa revista popular, daquelas que divulgam e chafurdam a vida íntima dos artistas. E era dela! Por certo fora escolhida entre tantas outras, talvez devido à singeleza e ao romantismo expresso em palavras, como estas: "Querido Roberto, eu te amo tanto! Sou sua fã, e estou te escrevendo, enquanto escuto tuas lindas canções, deitada à sombra de um pé de jabuticabas, carregadinho delas, que saboreio pensando em ti".

Eram os anos 60 e o movimento da Jovem Guarda estava no auge; mas um bom tempo já se passou deste então. Perdi o contato e nunca mais tive notícias dela, a Lígia - tão bela e íntima dos reis, ainda que do iê-iê-iê! Tirou-me pra dançar, uma certa vez, e isso foi o mais íntimo que ousei chegar dela; eu era um menino bobo, calado e muito tímido e mais novo que ela uns três anos. Agora fico a pensar se ainda terá a mesma veneração pelo Roberto. E quem sabe, se não terá plantado uma jabuticabeira no quintal da sua casa atual, onde agora vive com seu homem e filhos; e onde, junto à filha adolescente, esta também linda e graciosa de cabelos negros, lisos e longos, não estaria a se deliciar com as mais doces, graúdas e suculentas jabuticabas; e escutando, saudosa do Rei, que ainda lhe canta, na velha vitrola, aqueles tais "...detalhes tão pequenos, de nós dois".

Talvez esteja ... e se estiver, ah! que me escreva!
 
 

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