JURO QUE PAGARÁS
Jorge Gomes da Silva

De forma voluntária, os cidadãos de classe média sobem a escada até ao patamar da ilusão. Degrau a degrau, eufóricos, conquistam as alturas embalados pela garantia de prosperidade eterna que se insinua nos principais indicadores. Sucesso, aumento salarial, promoção. Vida nova para os vencedores, aclamados como heróis pela plateia invejosa, acolhidos como iguais nos camarotes ou nos balcões. Lugar cativo no festival da ostentação.

Ao longo da subida, a ambição desmedida é o motor principal das mais celebradas realizações. Bons negócios para os patrões e outras vitórias pontuais, riqueza. Beleza de sonhos, impossíveis de concretizar, carro novo, roupa fina, bom colégio para a menina e uma casa mais bonita e descaradamente maior.

Bem vindos, senhoras e senhores, ao mundo fantástico do poder ter. Tudo o que se queira, crédito à maneira, facilidades de pagamento e oportunidades de investimento, só não tem quem não quiser. Privações, só para os outros, mais abaixo, os satisfeitos com o pouco, incapazes sociais.

Mas para si, só o melhor. Assine aqui por favor e oferecemos-lhe esta magnífica gravata fabricada na cordoaria, feita para durar uma vida em redor dos pescoços de excepção como o seu. Alivie o nó sempre que queira, ignore a ratoeira, acrescente um contrato com suaves prestações. Em frente é o caminho, amanhã logo se vê.

E a classe média avança, destemida, pelo palco da vida minado de tentações. Quero isto, quero aquilo, lágrimas de crocodilo nas traseiras dos globos oculares dos que preparam a rede para a retirarem depressa quando chega a hora de cair mais alguém. Ciclos da economia, inevitáveis como os gurus que os teorizam. Porém, enquanto a prancha desliza na crista da onda sinusoidal ninguém se preocupa com a rebentação. O surfista desprevenido mergulha nas águas gélidas do incumprimento e serve de alimento a uma seita implacável de tubarões. Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma num pesadelo económico que o cidadão anónimo assume como consequência da ingénua esperança de escapar à sua posição na cadeia alimentar financeira. Bom proveito, senhor credor...

Mas a classe média insiste em avançar, esperançada, sobre os despojos dos eliminados pela crise anterior. Caminham, sorriso nos lábios, para o destino reservado à maioria dos sonhadores do mercado dito global. A verdade chega quando a vida abre o alçapão e a gravata de corda lhes abraça o pescoço como uma anaconda, até ao suspiro financeiro terminal. Puf, como um sonho pintado no interior de um balão na banda desenhada em que a sociedade se tornou. Lembra-se, caro insolvente potencial, de toda a papelada que lhe deram a assinar aquelas pessoas sorridentes que o encorajaram quando o seu processo de ascenção iniciou?

No bolso do carrasco, essas cópias autenticadas da sua autorização isentam de culpas qualquer executor. Imaculado o seu extermínio social, purificada a sua desapropriação. Tudo dentro do espírito da lei que aceitou por subscrição voluntária, temerária, e que agora os falsos amigos de outrora utilizam a seu desfavor sem um pingo de hesitação. É mesmo assim, dizem eles. São regras do jogo que todos aceitamos pela distinção de nos permitirem jogar, perder ou ganhar. Admissão reservada. 

E só joga quem quiser, ninguém é obrigado mas apenas convidado para participar nesta evidente batota onde a sorte se forja e o azar é demolidor.

Só questionam este sistema pernicioso os que lhe conhecem as reacções de homem atraiçoado, senhorio desrespeitado, odioso, a raiva controlada de uma máquina calibrada para tritutar sem apelo quem se desiluda nalguma conjuntura menos boa.

Oxalá nunca saiba como. Nunca entenderá porquê.

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