TODA QUINTA-FEIRA
Patricia Zayat

Toda quinta-feira vou dormir um pouquinho mais deprimida. Exatamente toda quinta- feira. Virginiana exemplar, sou bastante metódica, até mesmo neste ritual de depressão semanal: janto, vejo a novela e espero ansiosamente pelo seriado “A grande família”. E aí, deprimo.

Explico: eu quero um Lineu! Não precisa nem ter a estampa do Marco Nanini (o que não seria nada desagradável), mas precisa ser um autêntico Lineu. Um desses homens que são leais, responsáveis, sensatos, sensíveis, carinhosos. Politicamente corretos até. Humorados na medida certa. A fiel da balança, felizes consigo mesmo. 

Cansei daqueles que cerram os punhos quando se irritam com outros homens nas ruas, nas festas, nos esbarrões. Esses eu deixo para as meninas de 17 anos, envolvidas que estão em seus sonhos adolescentes. Que elas desfilem por aí com seus bad boys, como se fizessem parte de um filminho americano qualquer. Eu quero é o sujeito boa-praça, o amigo de todo mundo, o que sempre faz parte da turma do deixa disso. É vital que ele não atire nunca a primeira pedra.

Quero um Lineu que, em sendo negro ou branco, sinta-se lindo e muito capaz. E que procure seu elo com a África, com a Ásia e com o resto do mundo. Que, sendo carioca, ame essa cidade mas sinta uma dor profunda por não ser baiano ou mineiro ao mesmo tempo, por exemplo. Que goste dos clássicos mas admire o alternativo, ou vice-versa. Que ouça rock, MPB, funk, forró, pagode e axé. Ainda que curta apenas um dos estilos e os demais sirvam apenas como pano de fundo para uma faxina no quarto ou de trilha sonora em um churrasco com minhas amigas. 

Vale dizer que o meu Lineu não bebe, não fuma, não joga papel no chão, não conta piada racista, não critica o cinema nacional só por criticar, não fura fila, não dá volta em ninguém. O meu Lineu desde o primeiro beijo me confessa que jamais bateria em nossos filhos, ainda que eles destruíssem parte de sua coleção mais querida de discos ou revistas.

O meu Lineu não odeia exatamente ginastica e esportes. Ele curte uma preguiça gostosa, dessas que não promovem um atentado contra a saúde de ninguém. O meu Lineu come com prazer: não tem a menor noção de quantas calorias pode ter um alimento mas sabe que lata de óleo não precisa ser um item básico na cozinha de uma pessoa. Ele sabe, inclusive, que fritura só é gostosa de se comer na rua, onde não tem fumaça e gordura impregnando a casa da gente. O meu Lineu gosta de restaurantes, e o que é melhor: ele freqüenta comigo!

O meu Lineu não precisa ganhar bem. Pode até fazer a linha de quem está constantemente “redefinindo o orçamento doméstico”. Só importa que ele saiba viver a vida, mantendo tudo em dia. Um Lineu organizado vale mais que dez Brad Pits maus pagadores. Se possível, que a gente tenha sempre alguns trocados que dê para fazer aquela viagem que a gente anda merecendo, para cobrir o cheque da lente de contato que rasgou e eu preciso urgentemente de outra, para ir até a praia ver o Lulu Santos tocar a música nova e dar uma lembrancinha para nossa afilhada, que afinal é uma gracinha. Em matéria de dinheiro, o meu Lineu é um sábio.

Pouco mais eu teria a acrescentar a este perfil. Umas toalhas molhadas espalhadas na cama, tampa do vaso levantada, resto de fio dental na pia. Sim, eu até vislumbro estes pequenos defeitos do meu Lineu. Um comportamento totalmente suportável diante de tanta personalidade. E neste meu sonho a se realizar, falta apenas uma saber coisa. Aliás, duas: nome e sobrenome deste homem.

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