DUAS PALAVRAS
Fábio Fujita

- Precisamos conversar.

Precedido por um "acho que", não assustaria tanto,

- Acho que precisamos conversar,

soaria algo como um assunto a ser esclarecido entre duas pessoas sensatas, pode ser, pode não ser, estou em dúvida, me ajude, me mande à merda, não me olhe assim, me faça carinhos, sei lá. Mas daquele jeito,

- Precisamos conversar,

era definitivo, não dava margem para dúvidas, ela já devia ter em mente tudo o que queria para a vida dela e eu, certamente, não estava no pacote. Porque o

- Precisamos conversar

já diz tudo no próprio enunciado: algo realmente está para acontecer, para mudar o rumo das coisas, para abalar normalidades, desafiar inércias, impor revelações, "na verdade, tudo isto é uma grande besteira, você é uma grande besteira na besteira que é a minha vida". Porque, ao se dizer

- Precisamos conversar,

está o pressuposto de que até aquele momento da conversa era tudo mentira, quer dizer, tudo o que fora dito até ali de conversa não houvera nada, quem sabe uns diálogos protocolares de sociabilidade, você me conhece, eu te conheço, eu digo oi, você responde olá , mas somos mais do que meramente interlocutores sociáveis, até outro dia você dizia que me queria para o restante dos teus dias na Terra, enquanto aqueles pessimismos do Nostradamus não viessem cheio de ginga, e eu dizia que por você eu sentia uma coisa bonita, bonita e, mesmo você perguntando o quê, o quê, eu me atrapalhava e não conseguia ir além, uma coisa bonita, bonita, e disfarçava passando minha barba mal feita no seu pescoço, porque eu sabia que você se distrairia e esqueceria aquele assunto, ou se aproveitava disso porque gostava muito daquele contato piniquento, eu nunca descobri e você nunca me falou. E agora aquela história de que

- Precisamos conversar

e eu sei, todo mundo sabe, que um

- Precisamos conversar

é um preparativo de que alguma coisa morreu, como aquele inconseqüente que subiu no telhado e, menina, você não imagina... E você poderia parar por aí, fazendo-me um olhar de "me desculpe", ou de "não quero te magoar", ou ain da de "podemos ser bons amigos", quem sabe "não estou preparada, sabe?", porque eu entenderia tudo. No fim das contas, de um ou outro modo, você iria querer que eu saísse. Lembro até hoje quando o meu chefe, numa certa manhã, tocou no meu ombro e, conduzindo-me à sala de reunião, disse

- Precisamos conversar,

eu já sabia que havia perdido o emprego, embora, até o dia anterior, eu me sentisse no emprego mais bacana do mundo: o melhor chefe do mundo, o melhor colega de trabalho do mundo, o melhor local de trabalho do mundo (a alguns passos da minha casa). Poderia listar um longo currículo de

- Precisamos conversar

da minha história pessoal, mas não o farei, porque tenho bom senso e acho que, apesar de todas as minhas perdas, das pessoas que ficaram para trás, em cada

- Precisamos conversar

a qual me defrontei, acredito naquela coisa de que a vida é legal, sim, porque em algum momento eu decidi (mesmo!) que viver seria simples, e a simplicidade, então, passou a ser o elemento-base de tudo. Então eu passei à superfície, porque por ali eu não me afogo, embora seja no fundão que estejam os mistérios e as delícias obscuras que, quem não der uma de Nemo, jamais vai conhecer. É o minimalismo de felicidade, "consigo respirar", e seguimos, porque não se pode querer tudo. Certamente, vou te responder que tudo bem, que é melhor assim, que, no saldo da nossa história, ainda assim eu saí ganhando, levando coisas positivas, porque você me tornou uma pessoa agradável para mim mesmo, porque, antes, eu vivia às turras comigo, e só me aturava porque não tinha como, mas se eu pudesse, ah, eu ia me pegar de pancada, sem dó. Hoje não. Já que precisamos, então que conversemos. Não tenha medo, querida, vá em frente porque estou na superfície, não se esqueça, e por você eu sinto uma coisa bonita, bonita, e não será uma conversa que fará inverter tudo, a não ser que você tenha matado meus pais.

* * *

- Precisamos conversar.

- Sim.

- Conseguimos... Estou grávida, meu amor.

 

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