CRAVOS E ROSAS
José Luís Nóbrega

O senhor Leal da Silva descansava com as mãos unidas e corpo repleto de cravos, com choros vindo por todos os cantos do velório. Viúva, filhos e netos choravam a perda de tão nobre homem.

Ma seis que, no meio do velório, surge dona Aura, uma solteirona da cidade, com duas rosas vermelhas nas mãos, toda vestida de negro, com a morte fixa nos olhos. Atravessou o salão sem olhar para os lados. Comovida, lágrimas corriam aos prantos...

Dona Aurinha, como era conhecida na pacata cidade, de fato parecia revestir as pessoas com uma aura amistosa. Enfermeira numa cidade com pouco mais de vinte mil habitantes, conhecia os problemas de todos os munícipes. Desde uma pressão alta até um calo no pé, dona Aurinha sempre era a solução. Mulher pacata, e principalmente, uma mulher ponderada no trato de seus semelhantes. Partos no meio da noite eram sua especialidade. Nunca negava um atendimento aos necessitados...

Mas, naquela pacata cidade, todos comentavam a vida particular de dona Aura. Sempre recatada, freqüentava tão somente a missa aos domingos. Sempre sozinha, descartava a companhia do sexo oposto, aguçando assim a curiosidade daquela pequena sociedade co nservadora.

E foi assim que durante anos e anos, a fama de beata de dona Aurinha correu pela cidade. Falar mal de dona Aurinha era como falar mal do Papa. Mas mesmo assim, todos desconfiavam da falta de amor de uma mulher tão dócil, tão meiga... como dona Aurinha.

Sem se importar com a sociedade, também ministrava suas aulas em uma escolinha na zona rural daquele lugarejo. Entre um ensinamento e outro, sempre destacava o valor da verdadeira família, onde o amor de um homem e uma mulher deveria prevalecer para o todo... e sempre.

E por estas e outras, era que dona Aura nunca havia se entregado a um amor perfeito. Como solteirona sempre negava a existência de um amor eterno, onde um homem e uma mulher pudessem viver de maneira plena, um amor monogâmico.

Mas a morte do senhor Leal, com certeza, mexera com ela... E foi assim, que com o rosto coberto por um véu negro, e mãos cobertas por luvas pretas, chamou a atenção naquele pacato velório.
Entre lágrimas adentrou o recinto, atravessou a sala onde se encontravam os familiares mais íntimos do senhor Leal. Aos prantos, depositou duas rosas na mão do falecido. Simbolicamente, representavam um amor correspondido. Significavam o “eu” e “ele”: duas partes de um sublime amor. Mas, em meio aos cravos, as duas rosas perderam o verdadeiro significado.

Com a calma de sempre, dona Aurinha continuou ali, impávida, olhando as rosas (e os cravos), sozinha num canto... Chorava como uma verdadeira viúva, de maneira compulsiva, aos olhos de uma sociedade hipócrita... de olhos secos.


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