SONHO MARINHO

Lula Moura

 

 

Paralelo sul, início dos anos 80...

 

Contando seus vinte e poucos anos, Pedro ia observando a paisagem enquanto o ônibus o conduzia até a casa de amigos da faculdade, num percurso que leva aproximadamente quarenta minutos.  O inverno era intenso e seu casaco o satisfazia. Não estava chovendo mas parecia, de tão cinza que estava aquela tarde-noite.  A janela embaçada não impedia que ele observasse a paisagem.  A cena, já conhecida, lhe comovera de maneira diferente desta vez:  os mendigos espalhados pela cidade sem ter a menor proteção contra aquele frio.  Imaginando a angústia daquelas pessoas, engoliu seco, prendeu os lábios e as lágrimas quiseram vir à tona. Pedro prosseguiu a viagem de olhos fechados...

 

Tentando uma resposta para o sentimento que lhe tomou conta, elevou seu pensamento e uma calma protetora veio em seu socorro... Neste momento o sono lhe bateu e ele adormeceu. Sem que percebesse, foi conduzido para uma outra dimensão onde via um quadro que mostrava um texto protagonizado pelo mar e por uma fase da lua,  e cujo autor não era mencionado. Ele leu o texto, que se reportava a uma estação oposta ao frio e dizia o seguinte:

 

 

É noite, e após um dia de céu aberto o mar está dormindo...

 

Inspirado pelo sol que brilhou o dia inteiro, começa então a sonhar...

 

Seu sonho visualiza um mundo melhor, mais justo, onde as pessoas se respeitam e se ajudam. Onde a dor do outro é mais urgente. Onde a compreensão vem na frente, junto com um sorriso...

 

A lua, bonita e inteira, lá de cima, observa que o mar, seu menino, está dormindo...

 

O sonho do mar prossegue, numa imagem de cores, sons e luzes brandas e aconchegantes.  No mundo do seu sonho,  avista igualdade de oportunidades, onde os negros são negros, os brancos são brancos, os índios são índios, os amarelos são amarelos, mas ninguém se dá conta do que  são ou  deixam de ser. Não é importante...

 

A lua, bonita e inteira, lá de cima, observa o sono do menino e, pelo semblante, vê que está sonhando... Conhecendo o mar, com quem convive todas as noites, imagina o conteúdo deste sonho...

 

O sonho do mar prossegue, no mesmo colorido.  E, mais ousado, lembra o famoso cantor :  ... No mundo desse seu sonho não existem países, não existem religiões, todos somos um uno.  Não existe miséria, a vida é valorizada.  Não existe “menino de rua”, mendigos, e o idoso é reverenciado...

 

As imagens de igualdade de chances e respeito ao próximo não param.  O mar, de dentro de seu sonho, em sua maresia, exala orgulho e satisfação...

 

Mas a noite vai passando e chegará ao fim e, com isto, ao fim também vai chegar o sonho marinho...

 

A lua, bonita e inteira, lá de cima, percebe o problema. Como será difícil para o Mar encarar a realidade ao acordar.  De olhos abertos, tudo é diferente...

 

Ainda bonita e inteira, em fase completa, a lua olhando o mar, sentindo a beleza de seu sonho, resolve intervir e, chorando, não deixa ser dia...

 

 

A curva fechada despertou Pedro. Sorte a sua pois o local de destino já se aproximava. Ficou ainda por um bom tempo com aquele texto em sua mente e refletindo sobre o que umas pessoas chamam de pieguice e outras chamam de piedade...

 

Ao chegar na casa dos amigos universitários comentou o que lhe ocorrera. E atentos à história de Pedro, eles lhe devolveram a seguinte pergunta:

 

- Como transformar sentimentalismo em ação?

 

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