DIZENDO COM TODAS AS LETRAS
Bárbara Helena

 

 

Alfredo,

 

Não sei como dizer adeus.

Por tanto tempo tentei que até já esqueci como é ser definitivo, me perdi nos temperos do quem sabe e encontrei obstáculos ao decreto implacável.

Não sei como dizer acabou.

Por tanto tempo me despedi, com a mão na faca, esperando a carótida que não veio. Por tanto tempo o tiro ficou suspenso na arma, a trajetória embainhada, sem sentido, inerte, perdida.

Não sei como dizer nunca mais.

Por tanto tempo adiei o inevitável, confiei na improvável, esperei o absurdo final feliz.

Por tanto tempo acreditei em duendes, em conversas mentirosas, em fantasmas de amor ressuscitados.

Não sei como dizer - vou embora.

Por tanto tempo me firmei na porta, agarrada à soleira do impossível.

Que fiquei viciada em adiar.

Viciada em deixar para amanhã o até nunca, em postergar o crime, a mão certeira que desataria nosso nó já frouxo. Fiquei viciada em pensar pequeno, em desejar pouco, em aceitar migalhas.

Não sei como dizer, mas tento.

Porque sei como dizer que quero mais que o teu amor medido, quero mais que ser numero um na agenda, quero mais do que ser a primeira dama de um baralho inteiro.

Talvez não exista um amor melhor que o teu, a vida é dura.

Talvez haja Laurindas em todas as histórias, talvez não haja surpresas além do arco-íris.

Talvez todas as jóias sejam falsas, as pias mal-consertadas, as amantes freqüentes, os amigos mentirosos como o Ali Babá. .

Talvez todas as cartomantes sejam perigosas, todas as promessas descumpridas, todos os futuros impossíveis.

Talvez os nossos sonhos sejam como os outros - incapazes.

E nossas pobres vidas tão inúteis como a mais deslavada fantasia, comprada no brechó.

Mas não sei como dizer, Alfredo, que não estou indo embora.

Apenas desisti de acreditar.

Vou arrumar a casa, dar um trato no cabelo, encontrar meus amantes e te enganar com todos, te mentir para sempre, dar o troco com juros.

Não sei como dizer, Alfredo, mas você está fudido.


 

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