COITOS EXEMPLARES
Beto Muniz

 
 

Achei que estava livre. Engano.

A primeira providência pós-separação foi mudar de endereço, óbvio, em seguida buscar informações sobre antigas namoradas e amizades. Encontrei pouca gente, pra dizer a verdade, apenas o Zé e o Deco. Mulher? Nenhuma de outrora. E o Deco noivo! Enquanto ajeitava meu novo lar-doce-abatedouro eu me preparei psicologicamente para a devassidão que a vida de solteiro oferecia e sem perceber fui acumulando luxúrias imaginárias no sótão, apenas performances, corpos, carnes, gemidos. Em nenhum momento considerei a possibilidade de encontrar uma mulher por quem me apaixonasse. Estatisticamente na minha mente a emoção e sentimentos somavam vinte e cinco por cento do bolo e o meu prazer físico estava marcando setenta e cinco fatias! Daí para pensar e agir como um infame-cafajeste-chauvinista, bastou comprar lençóis novos. Porém, quatro meses de inanição depois, a sensação de liberdade se transformara numa realidade inversa, eu estava preso num círculo vazio... Sem desmerecer a companhia do Zé. Então comecei a freqüentar uma locadora de vídeos na nova vizinhança. Nos finais de semana dava atenção total pro filho, que emocionalmente era quem me importava manter bem (as vinte e cinco fatias do gráfico imaginário), e no meio da semana passei a colocar os filmes em dia.

Assisti todos aqueles vídeos que os compromissos sociais impedem que sejam vistos, aqueles que o cotidiano dum homem casado não recomendam, e aqueles que ela, a ex, torcia o nariz e eu acabava desistindo de ver. VIVA! Hora de ver o Van Damme vesus Schwarzneger que toda galera comentou no verão passado e eu não assisti porque a ex, que então era a atual, não deixou que eu visse sob alegação que não tinha conteúdo ou arte. Bolas pra conteúdo! Eu quero ver porrada! Foi nessas idas e vindas a locadora que conheci a Drica. Atendente, bonita e dando mole. Mas nunca passou do mole. A cada sorriso que ela abria eu alugava um vídeo, e ela tanto acumulou pontos sorrindo pra mim que logo foi promovida e transferida de loja. A Teca, feiinha, tadinha, ganhou o posto vago e passou a me atender. Não sorria, mas reconheço que trabalhava direitinho.

Uma tarde devolvi os filmes e não peguei novos, meia hora depois o telefone tocou e a Teca perguntou se eu estava bem, se tinha compromisso e coisa e tal, e se ela poderia passar em casa após o expediente, que por acaso terminava em quinze minutos. Sem saber o que dizer consenti. Sinceramente? Achei que fosse coisa relacionada à locação de vídeos. Tão feiinha ela! Como eu poderia imaginar que aquela atendente sem beleza, sem sorrisos, sem moles de ambas as partes queria dar mole? Não imaginei. Ela estava a paisana, civil, sem uniforme. A roupa normal ressaltava atributos lombares que até então me passara desapercebidos e, enquanto ela se apresentava à sala do meu apartamento, me ocorreu que eu era objeto de desejo da moça. A ficha caiu ao mesmo tempo em que ela perguntava se eu me surpreendera com seu telefonema. Claro! Quero dizer, não! Ou seja, o que exatamente ela queria? Teca não respondeu. Apenas sorriu seu sorrisinho feiinho. O único pensamento que me ocorreu na hora da fome foi que a melhor coisa que eu poderia fazer era jantar o lombinho.

Foi uma posse sem rodeios, sem palavras, sem gemidos, sem suores. Estrebuchado para mim, porém, sem gozo para ela... acho! Teca parecia um cadáver nu e quente largado na cama, e eu a possuí como se fosse um aprendiz de necrófilo, ou canibal faminto num grande banquete em que não fora convidado. Não perguntei onde, nem como, nem quantas vezes poderia repetir, apenas encerrei o jejum de cento e poucos dias.

Como ainda não dominava a arte da cafajestagem, três horas depois senti necessidade de dizer alguma coisa, ou ouvir algo, mas não sabia por onde começar nem o que dizer. Dizer que fora bom pra mim? Não seria mentira, mas me pareceu que soaria como exagero, então fiquei calado por mais duas horas, depois me vesti, ofereci um copo d'água - ela recusou, e chamei um táxi (que ela aceitou). Não houve beijo de despedidas, nem palavras, nem nada. Apenas aquele sorriso feiinho, duma Gioconda às avessas, acompanhado de promessa soando como ameaça: Qualquer dia eu volto!

Foi tão aterrorizante que na hora não conseguir retrucar um "não volte!" e quando, finalmente, esbocei reação a porta do elevador se fechou. Fiquei alguns minutos escorado no batente pensando em parar de fumar, beber, dar mole e freqüentar alguma igreja. Quem sabe? Achei que podia me dar ao luxo de jejuar mais um tempo. Simulado de necrofilia nunca mais!

48 horas depois eu descobri que 'nunca mais' durava exatamente 48 horas.

 
 

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