NA PRIMEIRA MEIA HORA SENTEI E ESPEREI
Adriana Vieira Bastos

 


Na segunda meia hora também.

No início da terceira meia hora parei, olhei o relógio, inquietei-me e pensei: “- que tremenda cara de pau, revestida de superioridade suprema, tinha aquele ser onipotente, trancado em sua sala, de não reconhecer que meu tempo também era precioso! Será que ele contava com minha fragilidade visível capaz de impedir qualquer reação de minha parte?”.

Diante de tal interrogação espumei e decidi não esperar mais nenhuma meia hora que fosse. Achei por bem, então, dividir o resto do tempo que teria de ficar lá, em frações de quinze minutos cada uma. Afinal, eu também tinha minha dignidade.

Nos primeiros quinze minutos e um pouco mais calma, tentei ver a coisa por outro ângulo: a sala estava cheia, e se isso acontecia, o cara devia ser uma fera. Comecei até a me sentir importante e, de certa maneira, mais segura, pois não iria colocar minha vida nas mãos de um “João Ninguém”. Esta compreensão me fez acreditar que valeria a pena esperar...

No segundo "quinze minutos", sugeri aos companheiros de sala o “Primeiro Campeonato de Milhas Acumuladas de Meias Horas de Espera”. A felicidade espalhou-se no ambiente. Havíamos, finalmente, encontrado razão para tantas esperas já vividas.

Nos outros "quinze minutos", relaxada e curiosa, procurei entender a agenda do cidadão: gente marcada de dez em dez minutos, gente encaixada no meio desses dez minutos, gente estrangulada, enfim, muita gente desrespeitada. Que grande palhaçada!

Raivosa, pensei em improvisar uma passeata de última hora. Havia gente suficiente, mas faltava ânimo e coragem para entoarmos, unidos, o grito de guerra: “Abaixo essa classe prepotente, que não respeita gente doente!”

Como a passeata estava fora de cogitação, deliberei mais quinze minutos para encerrar aquela embromação. Encontrava-me totalmente debilitada, faminta, com dores no corpo, a cabeça estourando. Foram quinze minutos cruciais para, no final, reconhecer o sapo que iria engolir: seria uma insensatez, naquela altura do campeonato, sair e enfrentar nova maratona em outra sala de espera.

Bastou, porém, o Ser Todo Poderoso De Branco aparecer na porta chamando pelo meu nome, para dar graças a Deus, e entrar ansiosa e docemente em sua sala, implorando o bálsamo para minhas dores.

Não me queixei, é claro, da torrente de emoções desencadeada por tanta espera. Meus delírios febris fantasiavam alguma possível retaliação capaz de impedir-me de estar aqui, hoje, saudável para contar-lhe esta história.

Nota da autora: não devemos nos esquecer de que há profissionais e profissionais...
Deixo registrado também o meu respeito à outros tantos médicos sérios, competentes e sensíveis que passaram pelo meu caminho.

 

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