O DOCE FIM DA GAROTA DOS LÁBIOS DE MEL
Marco Britto

 

Sempre fora descomedido! Exagerado, aloucado, excessivo e exorbitante... Estes eram os adjetivos que o caracterizavam. Jamais havia se contentado com uma única coisa, um único negócio, um único amor... Sempre ganhara muito dinheiro, sempre apostara alto...muito alto. E sempre que fora à bancarrota arrastara muita gente, pois ainda tinha uma outra característica: o dom de mostrar-se confiável, seguro e competente. Não o era por desonestidade, não por culpa sua. Não o fazia de modo cônscio, de forma deliberada. Ele simplesmente era assim por acreditar nas próprias mentiras que um dia o ajudaram a sobreviver. Ninguém tinha culpa de acreditar nele. Como poderia, fosse quem fosse, saber que tudo aquilo que ele dizia não era para valer? Talvez tenha sido isto que o fizera ter tanto sucesso com as mulheres e tantos dissabores com os homens destas. Ele sempre soubera dizer o que estas precisavam? e gostariam de ouvir? mesmo que tudo não passasse de mero hábito de falar o que não sentia. Certamente fora isto que o fizera ser tão desejado por Laurinda, Luzia, Sharon, Ercília e outras tantas... Amava tresloucadamente, amava de verdade! Da mesma forma que desapaixonava... Assim era sua vida. Este era o segredo do seu sucesso e do seu fracasso. Era isto que ele pensava naquele instante, enquanto sentia o gosto frio da lâmina penetrando-lhe as costelas e indo fundo em seu corpo. Tentou correr, pular de cima daquele corpo quente. Mas suas pernas e braços pesavam! Seus músculos tensos e retesados não lhe obedeciam e a lâmina mais uma vez entrou e saiu do seu corpo. A surpresa tomando forma no seu âmago, misturando-a com o gosto do sangue que subia à boca. Conseguiu levantar o corpo e correr até a janela. Se alcançasse a janela... Do canto do quarto ele se volta e olha, primeiro para o lado da cama e depois para o lado da porta. Da porta para a cama e da cama para os olhos de quem estivera deitado e amando apaixonadamente. Dos olhos da amante para os olhos do descrente que ainda segurava a lâmina suja de sangue na mão... Da lâmina para o sangue que escorria do seu flanco e levava sua vida embora... Mas ele não acreditava que iria morrer. Não ainda, não agora! Ainda havia muito que fazer, muito que dizer. Faltava repetir para ela que seus lábios eram de mel, e ainda precisava dizer a ele que ela não prestava para casar... Tudo isto lhe passava pela mente numa torrente de palavras, mentiras, verdades e medo pela vida que se ia embora...

 

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