COITOS EXEMPLARES III
Beto Muniz

 
 

Apenas a Neuza respondeu ao anúncio colocado na recepção. Sem o ter lido. Indicação. Por falta de opção, e de camisa passada no armário, contratei a Neuzinha para início imediato. Três vezes por semana após o meio do dia ela viria até o apartamento dar uma geral na bagunça. Uma cara de evangélica! Saia abaixo dos joelhos e pernas cabeludas, mais que as minhas.

No dia seguinte, logo pela manhã, talvez querendo mostrar serviço a Neuza chegou para sua primeira jornada de trabalho no meu lar-doce-bagunça. Latinhas de cerva vazias empilhadas até o teto, sem contar as baganas na mesinha de centro e o Zé largado no sofá. Ela viu aquilo e disse que não voltava mais! Foi um sacrifício convencê-la a continuar como diarista que lavava, passava, limpava, amassava latinhas e juntava bitucas de erva no cofrinho de lata de Nescau (para os dias difíceis). Um horror de vida! E a Neuza, coitada, ficou. Condição: nada de homem pelado dormindo no sofá quando ela chegasse. Combinado! E também nada de atendê-la de cuecas! "OPS... OK!! Neuza, desculpe. Desculpe, nem percebi". Entrei para o quarto sacando onde os olhos dela estavam pousados. Aleluia, até que ela dava um caldo. Mas a moça já estava por demais abalada e o melhor seria vestir uma bermuda e arrastar o Zé para bem longe de suas vistas. Foi pensar em arrastar o bêbado e o Clóvis, porteiro-zelador, tocou a campainha.

O Clóvis, jovem, louro, hiper prestativo e gay era porteiro e substituto de zelador. Desde o primeiro dia em que fui morar no apartamento do Deco o Clóvis puxou conversa e ofereceu seus préstimos. Agradeci, já sacando qual era a dele, mas não dispensei. Sabe-se lá quando é que vai precisar de ajuda pra carregar uma geladeira velha pra garagem, um sofá novo para dentro do ap... E mais a mais todo gay de boa índole tem pencas de mulher no círculo de amizades. Podia ser útil sim senhor. Aliás, vim saber depois que a Neuza era sua vizinha e foi ele quem a alertou para meu anúncio na portaria. Com esse ponto a favor ele ganhou trânsito livre no apartamento. Bastava precisar de algo e lá estava o porteiro providenciando. Neuza e Clóvis, uma dupla inusitada pra cuidar do imóvel e dos móveis, também das torneiras, chuveiros e luzes que necessitassem troca. Ambos eram uma mão na roda, mas o porteiro servia mesmo para evitar coincidências desagradáveis, tipo, Paulinha e Teca se trombando. Nessas horas ele acionava um interfone qualquer, só para emitir aquele barulhinho característico, deixava tocar várias vezes e informava à visitante que não tinha ninguém na residência. A incauta ia-se desolada pela calçada crente que meu apartamento estava mesmo vazio. Gratidão se paga com pizza. Meu amigo porteiro, aprendiz de zelador, entre uma mussarela e uma calabresa deixou escapar que conhecia todas as mulheres disponíveis do condomínio. Todas as solteiras, comprometidas, casadas, separadas ou viúvas, segundo o Clóvis, estavam na sua lista de amizades. Comecei a matutar uma festa. Com a aprovação do Deco e isenção do Zé, que na hora da votação estava em coma alcoólico, ficou decidido que a festa seria num sábado à noite. Paulinha Vamp e Teca Presuntinho não seriam convidadas. Óbvio! Já a Neuza estava convocada. E minhas intenções não eram que ela servisse os convidados.

Se na festa não pintasse nada melhor, eu teria uma opção caseira.

Aconteceu que, como toda mulher-crente-separada, ou melhor, largada pelo marido - condição que ela se auto-imputava, a diarista se revelou uma matraca. Falava demais. Pelos cotovelos! Entre uma espanada e outra, uma olhada na mala e outra espanada (a regra da cueca caiu na segunda semana), ela contava das razões que fizeram seu casamento desabar, ou seja, o marido ir-se embora de casa. Ele era obcecado pela idéia de se deitar, biblicamente falando, no traseiro da esposa. Durante quatro anos ela resistiu, e numa rara noite de intenso calor íntimo, e diante da insistência obsessiva do parceiro ela cedeu. Neuza jurou para mim que tentou de verdade, mas na hora H desistiu. “doeu por demais”. E depois dessa tentativa nunca mais deixou que ele sequer se aproximasse do seu "intacto". Definição dela! Depois de uns tempos o marido saiu de casa. Voltava vez em quando, tentava se engraçar e depois sumia novamente. A diarista se martirizava acreditando que ele se foi porque não teve seu desejo satisfeito.

Sem esperar que eu concordasse, discordasse ou tivesse ao menos opinião a respeito, Neuza ia contando essa história enquanto espanava livros na estante. Poderia estar contando do susto ao verificar o preço do arroz no mercado que a naturalidade seria a mesma. Entre um abaixa-pega-livro, espana, abaixa-guarda-livro e conta histórias, fiquei observando os arredondados gluteícos e imaginando o ‘intacto’ guardado debaixo daquelas saias longas. Claro que a diarista dava um caldo. Claro que era cheiinha como uma pintura de anjinho barroco. Claro que as pernas cabeludas davam nojo... mas, o melhor a fazer era ir pro quarto botar uma bermuda e esconder a idéias crescentes que se formavam quando eu me imaginava tomando posse do intacto. Nada de assustar Neuzinha, eu precisava de um plano. E de um KY.

Eu pensava que era aprendiz de cafajeste preste a tirar diploma. Com louvor! Pretensão.

 
 

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