O ESPELHO QUEBRADO
Osvaldo Luiz Pastorelli


Ele tinha um ritual especifico difícil de detalhar, só colocando em prática conseguia tornar a obsessão como um fato real. Porém, não via como uma obsessão só pelo simples prazer de todos os dias se colocar em frente ao espelho e esperar, enquanto fazia a barba, por ele. Não era obsessão, era simplesmente um ato que futuramente poderia se tornar obsessiva, mas no momento não via como tal e não se sentia como tal.

Só porque o frio e quebrado espelho lhe devolvia a imagem que conhecia, ao mesmo tempo desconhecia, não queria de forma alguma significar nada, simplesmente nada, repetiu para si mesmo no espelho que lhe sorriu.

Teimoso não se deixava levar pelo o que via, e nem pelo o que sentia e, sim, pelo o que poderia lhe acontecer. Sabia por definição patológica o que acontecia toda vez que se punha em frente ao espelho quebrado, proporcionava uma calma caracterizada pelo seu próprio ser que, colocando de lado a razão, lhe trazia o que lhe aconteceria, portanto se preparava com prazerosa obsessão cultivando o desejo erradicado à flor da pele.

O prazer não era o que poderia ou não lhe acontecer, e sim, a espera que sua imaginação se antepunha as delicias do gozo antecipado causando o prazer inesperado.

Conforme os dias se passavam, as perspectivas tornavam-se mais atraentes por que ele procurava se aperfeiçoar até o extremo de si mesmo. Apesar de que a cada dia era uma maneira diferente de encarar a situação. Um dia nunca foi igual ao outro. Essa diferenciação estimulava-o a esperar quanto tempo fosse necessário.

Ao girar a torneira pressentia o gozo o qual reprimia com toda a força necessária. Preconizava que o clímax seria, senão formidável, pelo menos, inusitado. Toda às vezes era assim, mas para ele notava sempre uma ponta de diferença.

A água quente impregnava o pequeno banheiro de vapor. Deixava de propósito a temperatura no último, fosse verão ou inverno, como preparativo do prazer que veria a sentir. Passou a mão no espelho quebrado. Seu rosto magro aos poucos foi surgindo. Quando a última gota desapareceu foi que notou o rosto dele olhando-o por cima do seu ombro. Sorriu. Ele também sorriu. Olharam-se com malícia antegozando suas ações.

Notou no olhar profundo dele como profundo é o mar de amenidades suave que os dominava. Sentiu um perfume cristalino de conforto em ter sua ação dominada pelos desejos dele. Devagar como lhe permitia a sensação deslizou o sabonete pelo corpo nu. Começou pelo tronco, depois as axilas, seguida os braços, desceu para a barriga e ao chegar no sexo, ele tomou o sabonete da sua mão e começou lentamente a massagear a sua pele. Ele estava a suas costas, quase encostando o peito em sua pele que queimava. Já estava totalmente ensaboado quando ouviu ele dizer:

- Se quiser podemos começar, mas não esqueça as regras.

Como poderia esquecer as regras! E nem poderia, pois foi ele quem sugeriu as regras. Assim no silêncio da água que jorrava o jogo teve seu início.

Um não podia tocar no outro, essa era a regra primordial. Apenas uma determinada parte do corpo é que tocaria no corpo do outro. E hoje era a vez dele em escolher qual parte do seu corpo tocaria no corpo dele. Ao primeiro movimento da lâmina puxando a espuma do lado esquerdo do rosto, foi que sentiu a língua ferina e macia dele deslizar em sua pele.

Primeiro a nuca, mordendo de leve. Sentiu a pele arrepiar e se propôs a cumprir a regra por qualquer motivo que fosse. Apenas ficaria olhando o pequeno e frio espelho quebrado barbeando-se obsessivamente passivo, enquanto ele ativamente obsessivo com os lábios carnudos e sensuais, sopesava suas costas de beijos e lambidas lascivas e brandas mordidas. Previu que hoje haveria uma pequena mudança. O que não queria dizer que desrespeitaria as regras. Nada disso. Propunham-se sempre uma pequena diferenciação para não caírem na monotonia.

Ele continuava barbeando-se sem despregar os olhos do espelho enquanto a língua quente e sedosa dele subia e descia por suas costas. Uma vez ou outra sentia suas nádegas sendo chupadas por beijos que deixariam com vermelhões. Não se importava, fazia parte também do jogo. E na modorra lenta dos movimentos a excitação os envolvia num único ser. Foi então que sucedeu a mudança. Não sabia dizer com exatidão como e porque aconteceu. Tinha a impressão de que estava sendo penetrado. Nisso escorregou e caiu, melhor dizendo, foi empurrado.

Levantou-se resmungando.

- Estava gemendo não me deixando dormir, disse a mulher sonolenta.
- Mas precisava me jogar fora da cama?
- Claro você não acordava, gemendo cada vez mais alto.

Atrapalhado, tateando no escuro, saiu do quarto. Credo que sonho horrível! Na cozinha bebeu um longo copo de água. Foi então que ouviu barulho de água. Vinha do banheiro. E qual não foi seu susto ao chegar à porta do banheiro! Lá estava ele se barbeando.

- Ué! Estou te esperando, você não vem?

 

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