COITOS EXEMPLARES IV
Beto Muniz

 
 

Não demorou muito para que a resolução número três - a compra do KY, entrasse na pauta do dia. Antes da cerva, da erva e da lista de músicas aprovadas para tocar no sábado, o santo lubrificante estava na gaveta do criado mudo. Segredo! Para o Zé e para o Deco nem um pio!

 

Após torcer o nariz, resmungar e me assuntar com seus olhos mendigos, Neuzinha se desdobrou em afazeres quando soube da festa. Não convidei de imediato, apenas deixei assim, flanando, que a presença dela seria de suma importância. Ela crente que serviria salgadinhos, bebidinhas e docinhos em troca de um extra e eu avaliando se os arredondados de seus quadris valia uma recriação de Sodoma e Gomorra no meu lar-doce-cafofo.

Sábado, grande dia! Gelo e cerva em quantidade absurda no apartamento do Deco, que agora era meu lar-doce-boate para cinqüenta convidados. A lista, para não ter erro, apontava sessenta por cento de nomes femininos, trinta e oito por cento nomes masculinos e os dois por cento restante era o nome do zelador, responsável por mais de vinte convidadas. Neuzinha soube no início da noite que não precisava servir sanduíche de metro. Protestou que não tinha roupa apropriada e tal, estava com cabelos de faxina, unhas de arrumadeira, cheiro de diarista e não ficaria! Contraprotestei - Vai pra sua casa e volta. Não vou! Vai. Se vou não volto! Se não voltar estará demitida. Moro longe! O Clóvis (santo Clóvis), pega meu carro, te leva, espera você se arrumar e volta. Não sei... Então tá decidido, eu é que sei das coisas aqui e estou mandando o Clóvis subir – fechei o assunto.

Sabe aqueles primeiros minutos de uma festa muito mal planejada? Na primeira meia hora apenas eu, o Deco – sem noiva e o Zé abrindo uma cerva na cola da outra. Nos quarenta minutos seguintes chegou um marmanjo, outro, mais outro e platéia feminina nada. Duas horas depois do combinado quinze por cento dos convidados estavam presentes. Uma cambada de bebedores de cerva embalados pelo som romântico, previamente selecionado por um amigo do Deco que nem lembro o nome, acotovelada nas paredes do meu lar-doce-clubedobolinha sem uma única mulher para conversar, dançar ou ser currada. Fracasso! Total fracasso. E a multidão de usuários de zorba só aumentando. "Trouxe um primo!" ou então, "Um vizinho resolveu vir comigo, tudo bem?"

- Esquenta não, uma cueca a mais ou a menos nem faz diferença, pega uma latinha!

O desconhecido metia a mão na bambona repleta de gelo e cerva sem a menor cerimônia e depois arrumava um canto pra ouvir Creedence Crearwater Revival. Eu olhava para o Zé, ainda acordado num papo super descontraído, como se aquela aglomeração de machos fosse o máximo, e tinha vontade de ligar para a Paulinha Vamp ou para a Teca Presuntinho. No desespero esqueci do intacto, juro! O Deco resolveu ir embora. Percebeu que não ia rolar e quis pular fora do nosso barco à deriva. Rato! Diante da acusação de abandono ele se dispôs a ficar mais meia hora. Decisão acertada porque cinco minutos depois entraram as três primeiras convidadas. Menos de um minuto depois, mais quatro, nem deu tempo de fechar a porta e outras duas. Parece que foi combinado, não parava de chegar mulher, aos bandos! Uma característica feminina, se atrasar e andar aos pares, trios, quartetos, bando. Em menos de trinta minutos todas as convidadas estavam dentro do meu promissor lar-doce-abatedouro.

Eiko era o nome dela. Uma japonesinha graciosa, pequenina, de cabelos compridos e dentes perfeitos, toda vestido de preto, com curvas! Professora de ballet – me disse a loura que a apresentou. Poucos sorrisos depois estávamos dançando colados, o DJ desconhecido apelou com “I do it for you”, e na metade da música eu estava beijando a doce Eiko. Romanticamente pequena dentro do meu abraço apaixonado. Era tudo que eu precisava naquele momento. Terminou a música do Bryan Adams e fui com a bailarina pra sacada, tomar um ar e uma cerva. Não consegui ar, Eiko me puxou, o amasso esquentou e por pouco não a conheci biblicamente ali, no escurinho, com vista para a cidade. A noite já estava ganha, nem lembrava da Teca, da Paula, do sonhado intacto a caminho... mas Neuzinha não estava à caminho, ela já estava presente.

Só percebi Neuzinha quando fui no quarto, território proibido para convidados, buscar uma erva. Ela estava tomando uma cerva escorada no batente da porta, como se fosse uma guardiã da área interditada. Estava diferente. Até bonita. Não parecia minha diarista. Também não falou comigo, apenas me assuntou com aqueles olhos mendigos, fazendo charme com o copo nos lábios. Foi nesse instante que eu saquei: Ela sabia que eu avaliava suas curvas enquanto ela trabalhava, sabia do meu tesão, sabia que eu escapava para uma punheta no quarto com ela arrumando a sala. Safada! Como pude ser tão cego para não enxergar a caçadora dentro da arrumadeira? Antes que eu pudesse esboçar qualquer comentário a bailarina, doce Eiko, me abraçou pelas costas e as curvas de Neuzinha, cientes do seu poder, escaparam roçando insinuante para o meio da bagunça.

Fiquei ali, parado, esquecido da erva, da cerva e pensando na perva da diarista. Mulher perversa! Nunca me deu mole, mas definitivamente estava a fim. Vida injusta! Uma judiação descobrir que o intacto estava mais acessível que o imaginado, quando tinha a Eiko, doce, meiga e louca para finalizar a noite comigo. Ou não? O diabo é testemunha do quanto gastei minha mão amando solitária as ancas proibidas da faxineira. Em minhas aspirações eu a persuadia a treinar comigo a retomada de seu casamento, acariciava essa idéia e amadurecia o texto em minha mente, depois repassava as curvas cheias do quadril, a nudez, o KY, o ato, a libertação, a glória queimando escorregadiça pela minha mão! Mas nas duas últimas horas eu me apaixonara perdidamente pela doçura ardente da bailarina. Meu desejo latejava, hirto e confuso sobre qual rumo tomar, porém, o capeta também atestaria a autenticidade desse amor súbito pela Eiko. Doce Eiko, por maior que fosse a paixão ao primeiro amasso, passou a ser um empecilho e eu precisava me desfazer dela. Ou não? “Pô, cafajeste mais falsificado!” A diarista estava garantido, agora que eu tinha sacado a dela poderia atacar na semana, melhor finalizar a bailarina e depois a Neuzinha. Isso. Estava decidido! “Assim vai até tirar diploma!”. Tolo eu. Numa das idas e vindas da sacada para a cozinha, esbarrei nas curvas da diarista, ela me segurou pelo braço, me puxou o ouvido para perto de seus lábios e disse num tom rouco, arrepiante, longe de ser voz de faxineira que se preze: "Você tem sessenta minutos para comer ou se livrar dessa japonesa, depois disso estarei te esperando no quarto".

Não há canalha no mundo que seja páreo para uma mulher safada no cio. Eu pensei no KY e me rendi, estava pronto para renegar a paixão por Eiko Matsumi, candidata a esposa, e correr para o quarto.

Estava. Passado! Passou. O cafajeste latente em mim, frio e calculista despertou quando eu mais precisava e segurou a onda... Eu ainda tinha cinqüenta e nove minutos para depor as armas.

 
 

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