SEM GRAÇA?
Eduardo Prearo

O desejo bradou mudo no olhar? Um não indistinto, de boneca de pano repentina, cortou-lhe os pulsos e o sangue vertendo foi colorindo o quarto de solferino. Tem cem outras vagas lembranças de desejo intenso. Armou barraca num ponto do labirinto vítreo, seu deserto tinha oásis de rosa roxa enorme, e quando a solidão o traía era que percebia o quanto amava estar sozinho. Inventou amores fantasmas que o deprimiam. O cabelo cacau e depois violeta e depois azulado ia caindo ao longo dos meses e não mais existia aquela franja maravilhosa roçando-lhe o nariz pontiagudo. Concluiu enfim que não sabia amar demais, que era o figurante da história, usando incontinenti no faz-de-conta vestimenta de Giácomo Senci. O amor tudo, in-crí-vel!, mas a paixão, elemento ígneo primitivo, era King Kong vendo sua amada em risco, cão trêmulo de angústia atrás de cadela num cio. Se havia ausência de paixão era correspondido; senão, se havia paixão, havia enchente de choro até o teto. Não se achava burro porque burro é sem graça, a não ser quando mija. Seria caso fosse animal, chimpanzé de zôo.

No momento, com milhões de minutos de vida, quiçá bilhões, resta-lhe dívidas, malandragem mal-aceita por si próprio e o amor um bocadinho por Totó, seu melhor amigo.

 

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