REFLEXOS
Pedro Feitosa

No pedaço do espelho que ainda resiste na moldura, ela procura o seu reflexo. O sangue que sai de seu nariz suja o tapete e seus olhos fixam na imagem que nem de longe lembra a mulher bonita que sempre foi. As lembranças do início do namoro, quando os dois eram apenas dois adolescentes começam a vir em sua mente.

Conheceram-se num desses grupos de jovens da igreja, tinham quase a mesma idade. Ela tímida, fechada; ele popular, principalmente entre as garotas do grupo. Não demorou muito tempo para que as simples trocas de olhares se transformassem em compostos beijos. Dias depois, os dois eram vistos juntos de mãos dadas e sorriso no rosto, algo que causou certa surpresa aos amigos que o conheciam, e inveja às garotas que sempre o cercavam.

Aproximavam-se cada vez mais, pois era um tempo de descobertas para os dois; deixaram de lado os amigos e passaram a viver cada vez mais isolados, pois o amor que havia entre os dois era algo muito além dos que são descritos nos romances. E realmente eram felizes, e como eram... O tempo passou e o casal foi morar junto.

A convivência trouxe desgastes, ora pelas festas que ele ia sem ela (muitas vezes chegando embriagado), ora pelo mau humor dela frente às coisas da vida. A rotina acabou com a novidade, nada era tão romântico e novo, até as brigas tinham o mesmo conteúdo.

Resolveram mudar seus comportamentos, fizeram um acordo: que seriam mais compreensíveis e cederiam um pouco mais dentre suas discordâncias. A bonança durou meses, perto de um ano. Nesse tempo reataram as amizades, conheceram novos lugares e fizeram planos, muitos planos. A esperança e a felicidade do início voltavam a dar sinal.

Porém o desemprego dele fez com que todo esse esforço acabasse. O acordo deixou de ser cumprido aos poucos, trazendo novamente a desarmonia entre o casal: uma semana de paz e duas de guerra, assim era a rotina. Com isso as brigas aumentaram num ritmo absurdo, afastando novamente os amigos e a felicidade. Porém, não desistiam: as coisas seriam melhores daqui pra frente, diziam nas reconciliações. Mas não foi.

Com papel higiênico ela tira o excesso de sangue do nariz e abre a torneira da pia para lavar o rosto. Ao sentir a água entrar em contato com suas narinas, uma forte ardência lhe toma. Fecha os olhos e abre rapidamente: lembra que ele poderá voltar, apressa-se. Junta as poucas roupas que não foram jogadas pela janela e põe embaixo do braço, entra no elevador de serviço.

Lá embaixo chove e faz frio. Entra no primeiro táxi que passa e olha para a janela do apartamento que acaba de deixar, chora. Chora por saber que o ama apesar de tudo. Procura se acalmar, respira fundo e olha para frente, afinal, ela sabe que amanhã eles irão voltar e tudo será como antes, como na época da inocência.


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