BULINDO COM O PASSADO
Beto Muniz

 
 

Surgiu do nada, na mesma calçada, felina, insinuando que andava em direção oposta a minha. Parou dois passos antes de nos cruzarmos, sorriu um excesso de batom e levantou a saia mostrando o branco luar das ancas:

- Vamos fazer neném meu bem?

Recordações da Firmina, mãe da Rosa, ofertando as coxas roliças abertas e nuas. Rosa dormia no berço plantado na penumbra do quarto minúsculo e Firmina trabalhava. Moço, desejos em formação e ainda acertando o cabresto nos pudores, eu pagava pelo prazer que obtinha dentro das coxas da mãe solteira. Por vezes o bebê acordava e me esquadrinhava num vigiar redondo, mesmo vestido eu me sentia nu. Baixava a cabeça incapaz de sustentar o peso daquele olhar e ia embora, querendo nunca mais voltar para o meio das coxas redondas da Firmina. Nunca ouvi choro, resmungo ou riso saindo do berço onde Rosa estava plantada. Nunca lhe dirigi um carinho, uma graça, um guti-guti. Nada. Não me atrevia, ou não deu tempo. Antes que a menina aprendesse a falar o avô veio buscá-la. Arrancou Rosa dos panos puídos e a levou sem importar-se com o rasgo que deixava no peito da filha, a Firmina de coxas roliças. Não dei razão a nenhuma das partes e continuei apartando as coxas de Firmina. Meus desejos de moço pungiam o meio das coxas que foram afinando, afinando e deixando de ser as coxas de Firmina. Afinou tanto que Firmina também deixou de ser Firmina. Cada um na vila tinha uma opinião, diziam que foi moléstia, que foi desgosto, que foi um monte de coisas. Eu não especulei, nada falei, e talvez fosse o único que soubesse a verdade. Certamente que tinha sido de rasgo no coração. Rasgo que só a presença de Rosa, plantada no canto do quarto, poderia costurar.

- Então, vamos fazer neném?

Retornei da viagem ao passado e recusei com simpatia, mantendo olhos gulosos na curva murcha dos seios brancos. Eu não queria um filho parecido com Rosa, brotando na fenda da guia e fixando raízes na calçada! A mulher insistiu, me pegou a mão, chamou de meu bem, regateou no preço e eu pensava em Rosa sem mãe lá na vila. Deve estar moça hoje em dia. Deve ter um belo par de olhos redondos. Devidamente cabresteados meus desejos seguiram em trote curto os pensamentos que estavam em Rosa e suas possíveis coxas roliças.

 
 

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