SONHO COLOMBIANO
Luciana Franzolin

Um gosto indecifrável e macio. Ruim. A respiração ficou ofegante, as luzes viraram pontos de energia pulsante e o meu corpo se transformava de matéria densa para uma composição suave, fluida, o vento passava por entre os poros todos. Espelhos inexistentes me separavam do mundo real, os rostos iam se desenhando em caricaturas e as vozes eram ecos digitais. Encontrei um banco gigante depois de atravessar a rua que parecia um mar de petróleo com carros-peixes. Os ônibus vermelhos eram dragões chineses e quimeras saracoteando os rabos, e sorriam. O banco na Notting Hill Gate era brilhante e dourado, imenso, eu deitei e podia rolar infinitamente sem cair. O espaço da calcada se transformou num parque com arvores vivas, secas, cinzas, mas com galhos-braços que tentavam pentear os meus cabelos e me puxar para o céu. Meu telefone não funcionava porque era real demais. Entrei dentro a minha bolsa e encontrei os meus piercings todos, acalmei. Estrelinhas brincavam de pega-pega, Karin tinha cabelos de fogo e quando olhei para os pés dela eles se torceram para trás e ela virou um Curupira, eu era alta como um poste, esticada, e depois ficava tão pequena que me cobria com uma folha alaranjada perdida do outono. Queria um corpo para me esconder dentro, uma boca pra beijar néctar, queria todos os meus neurorreceptores recebendo estímulo dos transmissores. Fabriquei um exército de conexões estalantes. O táxi para casa era uma imensa banheira de espuma, a paisagem do lado de fora tentava ser cidade, mas quando eu piscava estava de volta numa floresta com faunos que me espiavam ameaçando uma orquestra de flautas. Não enxerguei duendes, talvez estivessem dormindo. Andamos em círculos por entre as arvores e a escadaria da casa era vermelha com degraus de colchão de água. Eu pisava e meus pés afundavam. Subi de quatro, como um bicho, mergulhei no vermelho antes de abrir a porta e descobri a composição dos carpetes londrinos. Nunca mais o banheiro da casa será o mesmo depois que as paredes derreteram. Minha vida também mudou.

 

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