PALAVRAS
Ana Terra

Esqueci de dormir nesta madrugada. Ouvi o canto dos pássaros avisando que o dia estava começando. Acordei mesmo não estando adormecida. Coloquei o telefone no gancho.

Vi palavras em todos os cantos. Palavras tortas. Palavras paralelas. Palavras engraçadas. Palavras secretas. Palavras musicais. Palavras de saudade de um tempo que se foi. Palavras de futuro. Palavras sonhadoras.

Palavras que me alimentaram o espírito durante horas. Horas invisíveis. Horas que enganaram os relógios.

E o sono? As palavras o levaram para longe.

Mas o dia....Mais um dia...Momento sentido na pele. Meu corpo pede por céu azul. Vento fresco. Cachorro feliz correndo pelo quintal. O que será que ele comemora? Será que o faro captou as palavras?

Despeço-me da madrugada com o cheiro do café. Pão na torradeira. Um banho longo. Um vestido colocado às pressas.

Não entendo a urgência. Onde estão minhas chaves? Preciso sair. Sem rumo. Envolta ainda pelas palavras da madrugada.

Na alma, uma calmaria. Na rua, caras amassadas. Como será que está o meu rosto? Esqueci-me de olhar no espelho. Sinto que estou linda. As raras pessoas que encontro me cumprimentam com um sorriso. Não devo estar assustando ninguém.

A cidade acorda. Portas e janelas são abertas. Cheiro de frutas frescas na quitanda da esquina. Uma angústia tomando sua cachaça num bar imundo, combustível para enfrentar seu dia de palavras. Palavras que a tristeza não ouviu.

Cidade pequena. Tudo se move lentamente. Operários apressados em suas bicicletas. O apito da sobrevivência já soou.

Mulheres, com expressões cansadas, colocando roupas lavadas no varal. Nem percebem a rosa deixando seu botão. Fico ali para que a flor tenha uma companhia num momento tão especial.

As palavras me acompanham. Que farei com elas? Um soneto? Não. Elas querem liberdade. Melhor soltá-las. Como confetes coloridos no ar.

Momento tão gostoso que merece ser guardado. Não preciso de todas as palavras. Escolho as palavras tortas para companhia. Sem formas. Fortes. Musicais. Sorridentes. Sem preocupações com a estética.

Continuo minha caminhada torta. Sei que um destino esfumaçado me espera. Eu e as palavras não desenhadas.

 

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