SETE VIDAS
Beto Muniz

 
 

Dizem que a curiosidade matou o gato, mas é mentira. Continuo vivo e belo após anos exercendo a curiosidade que me é nata.

Essa eu não lembro, mas mamãe costuma contar que aos três anos de idade ganhei um caminhão de bombeiro, inesquecível, enorme! Típico presente de natal que seria conservado por anos, décadas, podendo até ser transformado em peça de museu se a minha curiosidade felina não incentivasse desmontá-lo para ver o que tinha dentro. Devo ter descoberto que brinquedos são ocos, não lembro, o fato é que nunca mais ganhei presente semelhante. No máximo um carrinho de plástico vagabundo e também oco como sempre constatei. Quando completei seis anos - essa eu lembro bem - ganhei uma bola de capotão (esquece, capotão é coisa extinta!), todas as bolas disponíveis para a molecada da vila eram de plástico. Plásticos em diversas densidades, porém, meros plásticos que se tornariam subalternos do meu capotão. Seria de fazer inveja aos demais garotos ávidos por uma pelada com meu presente de aniversário, mas ela sequer foi quicar no campinho de terra dura. A já famosa natureza felina atacou e bastou uma faca de cozinha para desmascarar todos os segredos internos da bola nova. Meu tio, desolado com o avesso do capotão nas mãos, dizia estar tudo bem, que era coisa de criança e tal, no entanto, jamais voltou a me presentear... devo ter aprendido a guardar rancor com ele!

Ao completar dez anos eu tinha razoável fama entre os familiares, amigos, vizinhos, colegas, conhecidos e até mesmo entre estranhos. Todos os objetos que minha curiosidade pediu foram desmontados e mostraram seus segredos. Obviamente que a característica em mim nata, não se preocupava com o remonte. A graça existia apenas no desmonte. Em casa tínhamos o depósito de troços desmantelados, martelados, cortados, serrados... por que não dizer: quebrados? Sim, aparelhos e objetos quebrados aguardando esperançosamente que um dia alguém soubesse consertá-los. Aparelhos e objetos que ao serem colocados do avesso me renderam surras memoráveis, como da vez em que eu quis saber como era o interior de um botijão de gás. Usei um machado e dessa vez quase que o gato morre. Sorte minha que o botijão estava vazio aguardando a troca. Se não fosse a surra de chibata que papai me aplicou, teria saído intacto.

Não tive a mesma sorte quando roubei uma cápsula do revolver do meu avô. Ele tinha várias armas no sítio e eu já sabia atirar. Vovô ensinava os netos a manuseá-las logo cedo para evitar acidentes. Assim, completados doze anos de idade eu já saía para caçar com uma winchester a tiracolo. Era bom na pontaria e para alegria da minha avó encerrei com as correrias e alvoroços aos domingos. Era só ela escolher o frango no terreiro que eu garantia o almoço com um único tiro, no cocuruto. Mão na roda! Mas um dia a natureza felina miou alto e eu quis saber como era um cartucho por dentro, surrupiei a cápsula e fugi para a beira da mata. Levei um facão e com ele tentei cortar o metal do cartucho sem sucesso. Desisti por uns minutos e então, ó idéia de jerico... quero dizer, de cão! Apoiei o cartucho no tronco de árvore seca mirei e pimba! Meti o facão sem dó nem piedade no centro do cilindro metálico. Ouvi o estalido típico de uma deflagração e senti braços e rosto queimando. A pólvora explodiu na madeira seca lançando fragmentos para cima, me atingindo em cheio. Ainda tenho pequenas cicatrizes próximas aos olhos, no meio da face, pescoço, mãos e braços para comprovar a imbecilidade. Fiquei um tempão atordoado, com fragmentos de madeira cravados na pele, até tomar ciência da asneira cometida e só então comecei a tirar farpa por farpa. Consegui, apesar dos machucados, encobrir o feito e evitar mais uma surra. O chumbo eu nunca soube para que lado foi, sorte não ter me atingido. Não era hora do gato morrer.

 
 

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