CORAÇÕES PARTIDOS
Ivone Carvalho

 

“HOW CAN YOU MEND A BROKEN HEART,
HOW CAN YOU STOP THE RAIN FROM FALLING DOWN ?
HOW CAN YOU STOP THE SUN FROM SHINING ?”
(Bee Gees)


Foi uma vida inteira de sonhos. Viveu paixões como todos os adolescentes e todo ser humano. Tinha que ser assim, afinal de contas era mulher, bonita, sensível, inteligente, honrada, dedicada em tudo que se propunha a fazer. Se fosse para começar, não era para interromper, então, que fizesse bem feito ou nem começasse!

Assim, colocava paixão em tudo. No trabalho, nas amizades, na família, nas pequenas coisas que a rodeavam.

Flagrou-se tantas e tantas vezes sentindo uma lágrima escapar-lhe dos olhos ao observar uma pessoa qualquer sentada num banco de ônibus, se sentisse tristeza ou sofrimento em sua fisionomia. Era como se ela sentisse a dor daquele ser que jamais vira.

Sorria furtivamente ao se deparar com crianças. Suas alegrias se transportavam para o seu coração e, quem a visse sorrindo, talvez imaginasse que, naquele momento, ela se recordava da sua própria infância. Mas nunca fez comparações, embora, realmente, muitas situações a fizeram se lembrar de algumas cenas vividas também por ela. O fato é que a criança em si, não importava idade, sexo, cor, era vista por ela como um pedacinho de Deus, mesmo sabendo que em tudo existe uma parte Dele.

Também teve que disfarçar inúmeras vezes na vida, ao perceber que estava sendo observada por alguém que a via contemplando alguma gestante. Nossa! Isso, para ela, era a maior bênção Divina! Um corpo modificado, trazendo dentro de si um outro corpo que em breve estaria correndo com suas próprias pernas.

Certa vez, chegou atrasada no trabalho e, se contasse o motivo real do seu atraso, certamente ririam dela e jamais acreditariam, portanto, decidiu não justificar com a verdade e apenas disse que dormira demais, o que lhe rendeu uma bela bronca. Mas a verdade, que ela guardaria para o resto de sua vida, é que ela se distraiu no caminho, ao se deparar, no jardim da praça onde passava diariamente, com um botão de rosa se abrindo. Ela não resistiu. Entrou no jardim, começou a conversar silenciosamente com a flor e, como que por milagre, viu-a se abrindo lentamente, como se correspondesse aos seus pensamentos, transformando em diálogo o que não poderia ter passado de monólogo.

Encantada, ela acabou se sentando no banco da praça que ficava bem pertinho da roseira e ficou ali por tanto tempo, contemplando e se encantando com cada uma das plantinhas, que talvez tivesse passado o dia todo ali, não fosse um policial que se aproximou dela perguntando se precisava de alguma coisa, se estava tudo bem. Foi aí que ela percebeu que estava sorrindo para as flores e até esquecera que não estava no jardim de sua casa!

Ela era assim, uma eterna sonhadora!

Os anos passaram, as responsabilidades aumentaram, a vida trouxe sofrimentos ao lado de momentos de alegria e realizações. Ela podia dizer, alto e bom som, que era uma mulher resolvida, determinada, ciente de seus compromissos familiares, profissionais, consigo mesma, com o seu próximo e com a vida.

Mas faltava alguma coisa para que ela se sentisse totalmente feliz: encontrar o amor verdadeiro. Aquele amor que ela acreditava que pudesse mexer com todas as suas crenças, com a sua estrutura, que fosse capaz de extravasar através dos seus poros, que fosse tão imenso que chegasse a doer o seu coração, que a transformasse, que fizesse dela u’a mulher completa.

Sonhava que um dia esse amor haveria de chegar; não sabia de onde, nem como, mas cria que chegaria. E sabia que não era preciso procurá-lo, não precisava se expor, não tinha que fazer absolutamente nada que a tirasse da sua rotina. Sabia que seria difícil, pois não conseguia sequer olhar para alguém de algum modo especial, e, da mesma forma, fazia tudo que fosse possível, e até o impossível, para afastar qualquer homem que mostrasse interesse por ela.

Sabia que sua atitude mudaria tão somente quando a pessoa que existia nos seus sonhos cruzasse a sua vida. Não tinha idéia de como isso aconteceria, mas tinha certeza que aconteceria. E sabia que nesse momento o seu coração gritaria, lhe daria o grande sinal necessário para que ela entendesse que, enfim, o grande amor de sua vida tinha chegado.

E foi exatamente isso que aconteceu. Os anos passaram, a idade foi avançando, porém, quando menos esperava, viu-se completamente apaixonada, amando como nunca amara em toda sua vida. Ele surgiu do nada, de onde ela jamais pudesse imaginar que ele pudesse surgir.

E amou com todas as suas forças! Sentia-se amada na mesma proporção. Sabia que ela não era a primeira mulher a ser amada por ele, mas tinha plena convicção de que seria a última, pois sentia que essa união jamais terminaria. Era como se duas almas gêmeas tivessem se encontrado depois de vidas de espera.

Continuava sonhando, mas, agora, seus sonhos tinham um rosto, tinham uma personalidade, tinham um nome, tinham razão para existirem.

Pela primeira vez ela punha em dúvida os versos do poeta que diziam “que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. Sim, o poeta estava enganado!
Seria infinito sim, enquanto durasse, mas duraria para sempre, porque não era chama, era amor! Amor verdadeiro, o amor que a vida inteira ela esperou!

A vida passou a ter mais cor, tudo passou a ser mais bonito ainda, até mesmo aquilo que outrora não lhe agradava muito passou a ser pequeno ante a felicidade que ela passou a sentir.

Mas, um dia, tão pouco tempo depois que passaram a viver aquele amor infinito, ele mudou. Mudou o tratamento para com ela. Mudou o seu modo de ser. Perdeu a meiguice, a doçura, a atenção que sempre dedicara a ela.

Mudou da água pro vinho! Tornou-se irreconhecível! Era como se alguém tivesse arrancado de dentro do coração dele, de repente, todo aquele amor que ele demonstrava sentir por ela.

Ela não entendia! Ele, que ensinara a ela o que é o verdadeiro amor, conseguia arrancar dela o direito de viver aquele sentimento que por toda a vida foi esperado. Ele, que lhe dera, enfim, mais vida, destruía seus sonhos, suas crenças, sua vontade de viver.

Continuaria vivendo sim, enquanto respirasse, enquanto seu coração tivesse vida. Mas, sem ele, o mundo perdia as cores, a música perdia a melodia, as flores pareciam perder o perfume, a vida perdia a beleza e o sentido, o seu coração parecia já não bater.

E não batia! Daquele coração sonhador, tão cheio de amor, tão repleto de vida, restavam apenas estilhaços, que somente ele poderia recolher e recompor, dando-lhe, novamente, razão para viver.



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