A PORRA DA EXPECTATIVA
Nato Borges

 

Mônica e Marcelo, casados, felizes, jovens. O café da manhã, um ritual diário cercado de paz, Nescau, pão fresco e notícias da TV. Tinha sido assim até aquele dia.

- Foda é a expectativa!

- Como é que é? Tá falando do quê?

- Como assim do quê? Tô falando da gente. Tô falando de você, dessa merda de vida que a gente leva, dessa droga de homem que você virou. Olha só prá você!

- Mônica, tá louca??

- Tô, e só percebi agora. Melhor, não tô não. Louca eu estava quando me casei com você, eu acho... Me diz vai, quando foi que você resolveu se encostar desse jeito? Como é que fez para eu não perceber que você ia virar esse sapo que você hoje?

- Como assim amor? Do que é que você...

- Tá vendo! É disso que eu to falando... Da porra da expectativa. Aposto que você tá achando tudo normal, tudo muito bom, todo mundo feliz e satisfeito. Você não esperava muito mais que isso, né não Marcelo?

- Esperar o quê? Mônica senta aqui...

- Não quero sentar! Pára de ser mole... Tá vendo, é disso que eu to falando... você não reage, você não se mexe, você fica aí... tá esperando o quê prá fazer alguma coisa da vida Marcelo? Quer que caia no colo?

- Mônica... amor... eu nunca...

- Nunca imaginou? É claro que nunca imaginou. Você não imagina, não percebe, não sonha, não se mexe... Tá tudo aqui nas minhas costas, vou levando... enquanto você fica aí, contemplando... Tá bonita a vida aí de onde você acompanha, hein Marcelo??

- Mônica... você é que nunca...

- Nunca falei né? E precisava? Ação Marcelo, ação. Esses anos todos e você não aprendeu nada né? Não tinha que esperar eu falar.. era só olhar...prestar atenção no mundo em torno de você...Não viu meu esforço? Não viu prá onde eu levava nossa vida? O que você esperava? Um manual? Queria um manual de instruções?

- Não! Claro que não... é que...

- É que você achava que tudo estava perfeito, não é? Estava tudo bem, tudo ótimo. Você estava feliz aí, encostadão... Prá que preocupação, se o Monicão tá segurando a onda, não é?

- É... não, não é... amor...

- E não me chama de amor! To cansada de te ver discursar... de te ouvir dizer que vai fazer e acontecer e te ver continuar aí, nessa sua vidinha... nessa toada sem sal e sem açúcar que você escolheu... Ai que saco viu?

- Mas você pode me explicar...

- Não tem o que explicar... acordei hoje com vontade de esculhambar você, é isso. Aliás, hoje não... tem uns dias já que essa sua atitude de pastel vem me irritando.. Você vem me irritando. Não vê o mundo caindo em sua volta e continua aí, com essa carinha feliz, esse discursinho pequeno burguês... Você está feliz com sua vida, não está?

- Estou... mas o que você esperava?

- É isso! É disso que eu falo! Da merda da expectativa. O que eu esperava? Agora você quer saber o que eu esperava? Não vou dizer! Vou facilitar sua vida Marcelo! Vou te deixar de lado o que eu esperava e dizer o que eu espero agora...

- Já ajuda...

- Espero que ajude sim. Marcelo, eu espero que você se foda!!! Pode ficar aí com seu futebolzinho, sua cervejinha, sua vidinha e todos os diminutivos que você acumulou estes anos todos, viu?

Voltou à realidade com a batida da porta da cozinha. Alguns segundos pareceram horas, mas ainda se levantou em tempo de ver o táxi sair da frente de casa. No quarto, guarda-roupa vazio e um porta-retrato - lembrança da lua-de-mel - estilhaçado. Só uma dúvida.

- Mas de que porra de expectativa ela estava falando????

 

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