"FOI APENAS UM SONHO"
Raymundo Silveira

 

Não sou de acreditar em fenômenos paranormais. Minha formação/deformação me aproximou o mais que pôde de uma arraigada influência cartesiana. Há certos dias, porém que desconfio que eles existem. Talvez sejam resquícios arquetípicos dos meus ancestrais das cavernas. Hoje, por exemplo, estou quase convencido de que quem escolheu o tema do texto dos “Anjos de Prata” para a próxima quinzena, estava em plena sintonia telepática comigo. Trata-se nada menos do que “Estilhaços”. Com efeito, hoje acordei com um desejo enorme de estilhaçar muita coisa.

O primeiro alvo da minha gana de destruição absoluta é a Lealdade. Meu desejo, portanto, é liquidar com todo tipo de fidelidade a compromissos assumidos ou a quem quer que seja. É deixar de prestar qualquer respeito aos princípios e regras que norteiam a honra e a probidade. Romper definitivamente com isto. Mais do que romper: destruir tudo com os estilhaços de uma granada. Não deixar caco sobre caco do caráter que inspira esta qualidade que só existe entre os seres humanos.

Depois quero espatifar a Franqueza. Dar um tiro de canhão na Sinceridade. Obrigar todas as pessoas a viver somente de mentiras como já fazem os hipócritas, os falsos amigos, os estelionatários, os diplomatas, os grã-finos. Esta cambada de gente que intenta se segregar, mas que são todos farinha do mesmo saco.

A Amizade e o Amor viriam, a seguir, se postar diante de um pelotão de fuzilamento comandado pessoalmente por mim mesmo. Porém não ficaria por aí. Cada pedaço dos seus corpos seria fragmentado, retalhado, esquartejado até que só restassem mesmo Estilhaços.

A seguir, espatifarei a Gratidão. Não restará absolutamente vestígio algum de qualquer reconhecimento de um indivíduo por outro que lhe prestou um benefício, um auxílio, um favor. O Bem será pago com o Mal. Sempre. Em qualquer circunstância.

Quero também acabar de uma vez por todas com a Confiança. Erradicar a crença na integridade moral, na sinceridade, nas qualidades profissionais de qualquer pessoa. Não confiar jamais nem naquelas mais íntimas a quem dedicávamos alguma afeição. Ou principalmente nelas mesmas. Quero atropelar a Confiança e a seguir, atear fogo no seu corpo. Carbonizá-lo Reduzi-lo a cinzas.

Por fim, enforcarei a Honestidade nas tripas da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade. Esta trinca facínora em nome da qual correram tantos riachos de sangue.

Mas eu estava redondamente enganado. Completamente fora da realidade. Estava apenas sonhando. Ao despertar constatei que, infelizmente, cheguei atrasado. Que tudo isto há muito tempo já foi feito.

 

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