ORA PRO NOBIS
Edson Campolina

Seu rubro rosto disfarçava a enclausurada e típica brancura de um estressado executivo. Não pela forca da gravata, mas pela irritação bombeada até o pescoço, ejaculando sua exaustão por toda a cabeça. Seus pensamentos atormentavam o perseguido silêncio nas tentativas de isolamento. Explodia-se em IRA frente a qualquer questionamento.

Decidiu tomar uma estrada na manhã do sábado. Magnânimo no volante de seu automóvel, preenchia a estrada riscando as curvas. Sentia-se dono de seu próprio tempo e espaço negando aos demais qualquer direito sobre seu caminho. Com a mesma SOBERBA, desta vez exaltando a nobreza de do lado externo do balcão ou da escrivaninha, comprou os dias de estada no hotel, confirmando conforto no mínimo semelhante ao de sua casa. Sentiu alívio em gastar o tão oneroso fruto de seu desgastante trabalho, como se extirpando seu câncer doloroso. Orgulhoso, se sentia nas alturas do altar do capitalismo.

Observou que o quarto não correspondia ao ninho de LUXÚRIA imaginado em suas lucubrações de viagem. Assim mesmo não desistiu de investir nos momentos de prazer com sua mulher, pagando sua dívida de AVAREZA conjugal, acumulada nas horas de convívio doméstico trocadas pela caça a informações do mercado financeiro na rede de computadores.

Ao sabor do sol que lhe aquecia o rosto e a alma, saudoso de uma caminhada por ruas sem automóveis e fones nos ouvidos, desfrutou das charmosas ladeiras de Tiradentes. Sentiu-se consciente de um ideal de liberdade onde a simplicidade e a tranqüilidade o bastariam. Sentiu INVEJA dos nativos que, recolhidos, observavam dos parapeitos de centenárias janelas de seus solares e sobrados, o quase moribundo urbanóide que lhe tomavam emprestado, a alto custo, momentos de beleza.

Ajoelhou-se no banco da igreja matriz, ouviu por um instante o coral que ensaiava um canto ao compasso dos foles do órgão e depois pediu perdão ao Santíssimo. Deixou a igreja glorificando a exuberância da serra de São José e agradecendo a existência daquele mágico povoado. Desceu as ladeiras até o largo do Ó, de mãos dadas com a mulher namorou os cardápios dos restaurantes típicos, sentindo-se leve.

Aguardou pacientemente a fumegante panela de pedra que a Constance, do Dona Xepa, lhe serviria o Frango com Ora Pro Nobis. Sua visão periférica se fechou, seus ouvidos se trancaram. Emudeceu-se não percebendo a GULA com a qual devorava a pobre ave acompanhada da folhagem que tanto recusara em sua infância. Agora um calor subia-lhe o corpo e fazia transpirar sua face. Moveu-se na cadeira esticando as pernas e o tronco. Abriu o cinto e desabotoou a calça. Olhou para sua mulher como um Galileu arregalado e proferiu a descoberta:

_ Agora sei por que esta planta tem este nome, comete-se o pecado da gula sem perceber o ato. É inútil pedir perdão antes. A PREGUIÇA impede qualquer cristão a retomar a ladeira da Matriz, e a tentação nos fará repetir amanhã, e quando for embora sentirei saudades deste doce pecado.

 

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